Nota pública – Os maiores mitos sobre o novo decreto de armas

Mito 1: O Decreto vai acabar com a indústria de armas brasileira 

A venda de armas no Brasil não é proibida. O comércio segue sendo permitido no novo Decreto, como prevê o Estatuto do Desarmamento. 

Ainda assim, importa salientar que antes mesmo da edição das normas de flexibilização do acesso a armas no governo Bolsonaro, a indústria já desempenhava bem e apresentava resultados positivos em suas vendas. Após um processo de reestruturação e internacionalização, a maior empresa brasileira do setor, a Taurus, obteve um aumento de 17,4% em sua receita em 2018, ano anterior ao início da gestão de Bolsonaro. Também vale mencionar que o principal mercado da companhia é os Estados Unidos. Somente 18 % do seu faturamento se dá no mercado nacional. 

Mito 2: O Decreto vai inviabilizar a prática de tiro esportivo no Brasil 

Longe de inviabilizar a prática esportiva, o novo Decreto privilegia aqueles que tiverem maior número de participação em competições, treinamentos e experiência. A norma, ao retomar a classificação dos CACs em níveis, baseia-se em parâmetros de proporcionalidade, que levam em conta o nível de senioridade e profissionalismo do praticante: os mais experientes poderão adquirir mais armas com maior potência, sendo que no caso dos atiradores nível 3, o limite chega a 16 armas, 4 delas de uso restrito. 

Os limites previstos anteriormente não se baseavam nas necessidades do esporte, extrapolando a razoabilidade. Enquanto as normas anteriores autorizavam que atiradores adquirissem até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, cerca de 29% dos CACs sequer possuíam armas. A maior parte da categoria (95%) possui até 4 armas e apenas 4% possuem 6 ou mais armas, comprovando a desproporcionalidade das medidas anteriores e o baixo impacto na categoria. 

Mito 3: É absurda a inclusão de 9mm no rol de armas restritas 

Com as mudanças do governo Bolsonaro que ampliaram os calibres das armas de uso permitido, as pistolas 9mm passaram a ser de uso permitido e foram adquiridas em grande quantidade por civis nos últimos anos. Elas representam 39% das armas em mãos de CACs, segundo dados do recadastramento realizado pela Polícia Federal. Das 935 mil armas recadastradas e em circulação, aproximadamente 365 mil são armas deste calibre. 

O novo Decreto tenta alterar esse cenário ao retomar a regulamentação vigente até 2018 e incluir a 9mm no rol de armas de uso restrito. Isso é importante pois as armas calibre 9mm têm maior poder de transfixação (capacidade de atravessar o alvo), sendo, portanto, mais

letais. Por tal razão, são consideradas ideais para as forças de segurança, já que têm maior poder de parada, ou seja, de incapacitar a pessoa atingida pelo tiro. 

Vale mencionar que a restrição ao acesso à pistola 9mm não prejudica a indústria e comércio de armas de fogo no país, pois até 2018 os civis não tinham acesso a esse calibre, e a maior fabricante nacional de armas registrou crescimento significativo em receita na venda de armas mesmo sem essa concessão até 2019. 

Outro aspecto a ser ponderado é o aumento das apreensões de armas 9mm no crime, o que reforça a necessidade de controles mais rigorosos devido ao valor que essas armas têm para organizações criminosas. Para ilustrar este fenômeno, no Distrito Federal, a apreensão de pistolas aumentou 73%, segundo dados de 2022. O modelo de pistola com maior aumento percentual dos registros feitos pela Polícia Civil foi a 9mm. Apenas em 2021 foram apreendidas 236 dessas pistolas, contra 41 registros feitos dois anos antes, um crescimento de 475%. 

Mito 4: O Governo Lula volta a desrespeitar o referendo de 2005 

No referendo de 2005, o povo brasileiro decidiu sobre a proibição ou não do comércio de armas no país. O voto vencedor foi pela manutenção da possibilidade de compra e venda de armas, que ocorreu seguindo os critérios legais de 2005 a 2018 e seguirá sendo respeitado. 

De 2004 a 2018, foram vendidas legalmente mais de 840 mil armas (dado do Comando do Exército). Em 2018, havia mais de 600 mil civis com registro ativo de armas para defesa pessoal ou como CACs (dados Polícia Federal e Exército). Registros para legítima defesa cresceram 70% de 2012 a 2017, registros de CACs cresceram 220% de 2012 a 2018 (dados da Polícia Federal e Exército). 

Era possível comprar armas antes de Bolsonaro e seguirá sendo possível. A única diferença é que o regulamento volta a se vincular ao que está previsto em lei, e o rol de armas liberadas para o acesso civil volta a ser o mesmo que vigorou até 2018, mantendo armas mais potentes acessíveis apenas à polícia. 

Mito 5: Só o Exército poderia mexer nas definições e parâmetros legais 

A argumentação de que o governo federal extrapola suas competências, como alegado em alguns Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) apresentados, é falsa. 

A lei 10.826, em seu art. 23,1 delega ao chefe do Poder Executivo este ato, mediante proposta do Exército. Foi exatamente o que aconteceu no Decreto de julho de 2023, que inclusive é assinado também pelos Ministros da Justiça e Segurança Pública e da Defesa. 

1“Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.”

Mito 6: Bandido não compra arma em loja. Por que o Governo não vai atrás das armas do crime? 

O aumento exponencial da circulação de armas de fogo cada vez mais potentes durante o governo Bolsonaro impactou diretamente a disponibilidade e o valor das armas usadas em atividades ilegais. Em outras palavras, com a facilitação do acesso às armas de forma legal, houve uma mudança no perfil da arma do crime. Isso ocorreu pois parte dessas armas foram revertidas para a ilegalidade, seja em razão de extravios, furtos ou roubos, seja pela utilização de intermediários (“laranjas”), que se registraram como CACs para adquirirem armas de forma legal, repassadas para facções criminosas em seguida. Diversos casos de desvio de arsenais para organizações criminosas como o PCC, CV e a milícia foram noticiados pela imprensa. 

Vale mencionar que o alto número de armas recadastradas na Polícia Federal (939.154 armas) por determinação do Decreto 11.366/2023 não significa que os desvios não ocorreram. 6.168 armas de uso restrito não foram cadastradas2, o que significa que milhares de armas de altíssimo potencial lesivo passaram para a ilegalidade. 

Ao reduzir os limites desproporcionais criados por Bolsonaro, excluir armas de interesse do crime do rol de armas de civis e melhorar o banco de dados para rastreamentos e fiscalizações o Decreto contribui para reduzir esta conexão danosa entre mercado legal e ilegal. 

Mito 7: Ao impedir o uso da arma pelo cidadão para defesa o Decreto vai facilitar a vida do bandido 

Em primeiro lugar, o Decreto não proíbe a compra e nem o uso de armas pelo cidadão. Nos casos em que haja a comprovação da efetiva necessidade, a aquisição de armas para a defesa pessoal segue sendo autorizada. Além disso, aqueles que adquiriram armas na vigência das normas anteriores, poderão mantê-las em sua posse. 

Em segundo lugar, a ideia de que armar a população contribui para a segurança é um mito. Várias pesquisas demonstram que reagir a uma abordagem utilizando uma arma de fogo aumenta significativamente as chances de uma pessoa ser ferida ou morta. Aumentos na circulação de armas estão associados a um aumento proporcional de latrocínios, contradizendo assim qualquer efeito dissuasivo e mostrando um potencial de impacto negativo. 

Um exemplo que destaca a inconsistência do argumento de que mais armas contribuem para a segurança é a situação na Amazônia Legal. Nessa região, onde o número de armas legais aumentou mais rapidamente do que no restante do país, os homicídios aumentaram, enquanto no resto do Brasil houve queda. Isso evidencia que a presença crescente de armas legais não está correlacionada com uma melhora na segurança pública. 

2 Se considerarmos que as armas de uso restrito tinham que passar por duas etapas (cadastro na internet) e apresentação em unidade da Polícia Federal, o número de armas desviadas pode ser ainda maior, ao redor de 8.200 armas de uso restrito.

Mito 8: O governo vai confiscar as armas adquiridas pelos cidadãos no governo Bolsonaro 

O Decreto estabelece claramente que as pessoas que compraram armas nas regras anteriores poderão permanecer com elas e comprar munições para as mesmas (artigo 79, caput). Ou seja, aqueles que adquiriram armas na vigência da regulamentação anterior, ainda que extrapolem os limites atuais, poderão seguir em posse de suas armas, desde que sigam os requisitos no momento da renovação do registro, ou seja, estejam aptos psicologicamente, tenham capacidade técnica, comprovem idoneidade e a efetiva necessidade, além de ter ocupação lícita e residência certa. 

As únicas armas confiscadas até o momento foram de civis que o Exército permitiu registrar, mesmo sem o cumprimento do critério de idoneidade. Ou seja, pessoas que eram procuradas pela Justiça.3 

Mito 9: Todos os clubes de tiro serão fechados 

Não há qualquer previsão no Decreto que determine o fechamento de clubes abertos nos últimos anos. Os estabelecimentos poderão continuar operando, mas seguindo alguns critérios de zoneamento urbano e segurança. Dentre eles, a proibição de funcionamento 24 horas, sendo permitido que funcionem entre 6:00 e 22:00, o cumprimento de condições de uso e armazenagem das armas e a distância superior a um quilômetro de escolas e creches. Mesmo aqueles que não cumprem atualmente esses requisitos, terão prazo de 1 ano e meio para se adequarem. 

Mito 10: O calibre 38 não poderá mais ser utilizado pelas empresas de segurança privada 

As armas da segurança privada estão reguladas por uma lei específica (Lei 7.102/83, artigo 22) que segue em vigor e não são afetadas pelo novo Decreto

Mito 11: O governo vai suspender pedidos processados antes da edição do Decreto 11.615/23 

Ao contrário, as compras e importações autorizadas aos CACs até a data do Decreto terão prazo de 90 dias para registro no SIGMA, conforme estabelece o parágrafo 2º, do artigo 79. 

Mito 12: O novo Decreto proíbe a recarga de munições 

Munições recarregadas são muito menos rastreáveis e portanto se torna mais barata e interessante o uso desta via para abastecimento do crime. Por conta disso a recarga de munições foi vedada apenas para pessoas físicas. A recarga segue sendo autorizada para escolas de formação de policiais e pessoas jurídicas, como clubes de tiro e caça, que poderão fornecer estas munições exclusivamente aos seus associados. 

3 Até o final de junho a Polícia Federal já havia prendido 147 pessoas que tinham armas registradas no Exército, mas eram procuradas pela Polícia. Disponível em: 

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2023/06/policia-federal-deflagra-2a-fase-da-operacao-day-after

Mais informações: 

Instituto Sou da Paz – imprensa@soudapaz.org

Instituto Igarapé  – raphael.lima@igarape.org.brpress@igarape.org.brgiovana@pensatacom.com

O Instituto Igarapé utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e nossos Termos de Uso e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.

Pular para o conteúdo