Hora de encontrar coragem
Em Manaus, 2017 já estreou com 17 horas de violência. Facções rivais se enfrentaram com registros de mortes e esquartejamentos de lideranças de grupos com presença dentro e fora das prisões por todo Brasil. Fala-se em até 80 mortos no complexo Penitenciário Anisio Jobim, em uma cidade onde o IML tem estrutura para receber apenas 20 corpos.
Já vimos essa história antes: desde o massacre no Carandiru, em 1992, passando por Rondônia, em 2002, Rio de Janeiro em 2004, Maranhão em 2010, Roraima no ano passado. Mas, se antes rebeliões eclodiam por melhores condições ou pelo controle de um presídio, agora se trata da disputa pelo sistema penitenciário do país. Fato é que grande parte das mais de 650 mil pessoas presas no Brasil não estão sob comando do Estado, mas de facções e aliados locais, que usam esse contingente como campo de recrutamento e aperfeiçoamento de atividades criminosas. Seus esforços vêm dando resultado.
As medidas de enfrentamento para tal quadro oferecidas por autoridades até agora — a transferência de presos para o sistema federal e repasse de recursos — oferecem um remédio de curto prazo, mas não resolvem a questão. Precisamos retomar o controle dos presídios e o principal vilão nessa história somos nós mesmos, a sociedade, e nossos lideranças, que não enfrentam de frente a crise do sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal brasileiro, apesar de existir solução para essa encruzilhada.
O encarceramento em massa não é a única resposta possível à violência. Há diversas formas de punição, e a pena precisa ser proporcional ao delito. Isso passa pela busca de outros modelos penais como a justiça restaurativa ou de medidas alternativas à prisão para crimes cometidos sem violência, como por exemplo o tráfico de drogas, que está entre os crimes que mais prendem no Brasil. Passa também por maior celeridade da Justiça — não é razoável que 40% dos presos sejam provisórios, isto é, estão aguardando julgamento.
Além disso, a atenção ao egresso, para que ele não volte a cometer crimes, deveria ser prioridade para a sociedade. Precisamos começar cedo, olhando também para o sistema de medidas socioeducativas. Prefeitos precisam melhorar programas de liberdade assistida para adolescentes em conflito com a lei, cortando o fluxo de entrada nesse sistema perverso. Ou seja, precisamos apostar na prevenção, e todos podem contribuir.
Não se trata de deixar de punir, mas de buscar respostas proporcionais, focando nos crimes de fato violentos e de, quando a prisão for necessária, aproveitar o tempo de reclusão para buscar a recuperação da pessoa presa. Se assim fizermos, estaremos não só dando uma segunda chance para quem cometeu crimes. Estaremos dando uma segunda chance para todos nós. É hora de encontrar coragem.
Por Ilona Szabó
Artigo de opinião publicado em 3 de janeiro de 2017
O Globo