Guia reúne estratégias e referências para a reintegração social de pessoas egressas do sistema prisional
Publicação do Instituto Igarapé analisa mais de 120 programas ao redor do mundo e propõe programas para inclusão social e redução da reincidência criminal no Brasil
Com a terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil enfrenta um grande desafio ao lidar com a reintegração social das pessoas egressas do sistema prisional – cenário que evidencia a necessidade urgente de que sejam buscadas soluções eficazes para promover a inclusão e reduzir a reincidência criminal. Diante disso, o Instituto Igarapé reuniu as principais estratégias e programas experimentados por diferentes países no Guia para inclusão social de pessoas egressas do sistema prisional. A publicação foi elaborada com base na análise de 123 programas nacionais e internacionais de atenção aos egressos, incluindo iniciativas voltadas para crianças e adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas.
O guia reúne as soluções implementadas ao redor do mundo, orientadas por eixos como saúde, habitação, inclusão produtiva e geração de renda, autonomia individual e convívio social. Com o intuito de servir de referência para a implementação e qualificação de iniciativas similares em todo o Brasil, o conteúdo detalha as estratégias adotadas para alcançar esses objetivos.
Ao deixar as prisões, os egressos costumam enfrentar dificuldades básicas para (re)iniciar suas vidas. Melina Risso, diretora de pesquisa do Igarapé, explica que, sem suporte material, financeiro, psicológico e social, os desafios para a reintegração social tornam-se obstáculos por vezes intransponíveis. “Isso não apenas torna a sociedade mais insegura, mas também contribui para a reincidência criminal, estabelecendo um ciclo vicioso de criminalidade e rejeição social”, afirma. “Essa dinâmica reforça as adversidades e vulnerabilidades enfrentadas pelos indivíduos ao longo de suas vidas, desde antes do encarceramento até após a libertação”, explica.
Melina ressalta ainda a disparidade de investimentos destinados à inclusão de egressos em comparação com outras áreas da segurança pública. “Enquanto o policiamento recebe a maior parte dos recursos, os programas de reintegração pós-liberdade são negligenciados”, diz. Em 2022, o policiamento foi contemplado com R$53,3 bilhões, as prisões com R$12,7 bilhões, mas os programas de pós-liberdade receberam apenas R$12 milhões.
Práticas bem-sucedidas
No Brasil, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), apenas 23,9% das pessoas em cumprimento de pena estavam inseridas em atividades laborais – cenário que afeta também o contexto pós-prisional. Contra o problema da dificuldade de reintegração econômica, uma referência é o projeto Laço Amarelo, iniciado em Singapura, em 2004. Durante o período de encarceramento, os participantes trabalham em funções alinhadas às demandas produtivas do país (como desenvolvimento de websites, produtos industriais e alimentos para venda externa). Após a saída da prisão, continuam a receber apoio por um período de até 12 meses – incluindo treinamento vocacional e encaminhamento para oportunidades de trabalho alinhadas aos seus interesses.
Outra barreira significativa para o processo de reintegração social é a falta de moradia adequada. Para garantir que o acesso à habitação não seja negado com base em antecedentes criminais, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos estabeleceu critérios claros para políticas de admissão e despejo em moradias subsidiadas pelo governo. Na área de saúde, um exemplo vem do Reino Unido, onde foi desenvolvida uma ação voltada para egressos com diagnóstico clínico de questões de saúde mental ou que usam medicamentos de uso controlado. A iniciativa prevê suporte financeiro, assistência médica, obtenção de moradia e apoio na redução do uso de substâncias químicas no período de seis a doze semanas após a saída do sistema prisional.
No Brasil também há iniciativas interessantes. Uma delas aconteceu no município de Canoas (RS), que criou as Casas das Juventudes – locais de acolhimento e convivência para jovens de 15 a 24 anos cumpridores de medidas socioeducativas ou egressos de prisões. As unidades proporcionam atividades de arte e cultura, cursos profissionalizantes, atendimentos psicossociais, acesso à internet e práticas esportivas. Uma equipe multidisciplinar composta por educadores, sociólogos, assistentes sociais e psicólogos conduz as atividades e fornece acompanhamento individualizado para o desenvolvimento de projetos de vida.
São casos que ajudam a evidenciar a importância dos programas voltados para a reintegração social de pessoas que tenham cumprido penas, tanto para redução da reincidência quanto para a garantia de seus direitos. O guia para inclusão social de pessoas egressas do sistema prisional pretende servir de base para a implementação de novas ações para egressos, assim como para a consolidação e multiplicação das iniciativas positivas já em curso no Brasil e no mundo. A publicação pode ser acessada pelo site do Instituto Igarapé, no link: https://igarape.org.br/guia-para-inclusao-social-de-pessoas-egressas-do-sistema-prisional/
Mais informações: raphael.lima@igarape.org.br, press@igarape.org.br
Sobre o Instituto Igarapé:
O Instituto Igarapé é um think and do tank independente, que desenvolve pesquisas, soluções e parcerias com o objetivo de impactar tanto políticas como práticas públicas e corporativas na superação dos principais desafios globais. Nossa missão é contribuir para a segurança pública, digital e climática no Brasil e no mundo. O Igarapé é uma instituição sem fins lucrativos e apartidária, com sede no Rio de Janeiro e atuação do nível local ao global.