Facilidade para lobos solitários

‘É fácil obter armas no Brasil, tanto nas favelas assoladas pela criminalidade quanto pela fronteira com o Paraguai, onde há um intenso comércio de armas de pequeno porte”. A frase foi publicada na revista da al-Qaeda, “Inspire”, e compartilhada em uma página jihadista com a hashtag #RioLW (LW significa lone wolf) para incentivar os chamados lobos solitários a atacar estrangeiros durante a Olimpíada do Rio.

Neste ponto, o grupo terrorista islâmico está certo: o Brasil está repleto de armas. O país é o segundo maior fabricante de armamentos e munições de pequeno porte de todo o Ocidente, e o quarto maior do planeta. São de 16 a 17 milhões de armas de fogo em circulação — não se sabe o número exato, dada a precariedade e a vaga legislação no que se refere ao registro de armas. A maioria dos crimes violentos cometidos no Brasil é realizada com armas fabricadas no próprio país.

Armas também são desviadas e roubadas dos arsenais das polícias e das Forças Armadas — destas, em menor quantidade. A polícia já relatou perdas de armas Colt e Taurus, e também já foram recuperados fuzis FN (7.62mm) com marcas de identificação dos Fuzileiros Navais. Os roubos e desvios representam um grande risco, uma vez que o estoque excedente das Forças Armadas está estimado em 800 mil armas de fogo.

Há muito se sabe do intenso comércio entre Brasil e países vizinhos como Argentina, Bolívia, Colômbia e, principalmente, Paraguai. Surpreendentemente, a inteligência da polícia nunca detectou a entrada de uma única arma de fogo da Venezuela, apesar de o país ser considerado um importante fabricante de fuzis AK-47.

O caso do Paraguai é antigo. Em meados dos anos 1990, a Polícia Federal brasileira registrou um grande aumento no contrabando de armas de fabricação doméstica vindas do país, associado a um crescimento maciço na compra legal de armas brasileiras (entre 1994 e 1997). O Paraguai importou mais de 65.718 armas de fogo em 1995; 58.253, em 1996; 34.752, em 1997, muito mais do que o necessário para suprir as necessidades nacionais. Muitas dessas armas exportadas legalmente voltavam para o país ilegalmente. O Brasil declarou moratória formal sobre as exportações, o que resultou em uma queda imediata no tráfico de armamento brasileiro, mas há denúncias de que isso aconteça até hoje.

A ameaça terrorista é uma novidade para os brasileiros. Já os riscos da violência gerada por armas de fogo são bastante conhecidos pela população. O número de homicídios é impressionante: uma em cada dez mortes violentas no mundo é de um(a) brasileiro(a). Estima-se que, em 2013, 53.646 cidadãos brasileiros foram assassinados — uma taxa de 25,2 para cada cem mil habitantes. Cerca de 42 mil desses homicídios foram praticados por armas de fogo. Ataques de “lobos solitários” são o menor dos problemas.

Apesar disso, alguns deputados estão tentando, de maneira perversa, flexibilizar a legislação sobre armas de fogo e facilitar o acesso a elas, inclusive para potenciais terroristas. Em lugar de legislar pelo avanço de políticas de controle dos estoques, pelo combate ao desvio e pela integração de bancos de dados que favoreçam as investigações de homicídios, a proposta deles é revogar o controle hoje existente. Na contramão da preocupação mundial com o acesso de grupos radicais a armamentos, alguns parlamentares brasileiros parecem querer, literalmente, oferecer aos extremistas ainda mais armas e munições.

Por Robert Muggah
Artigo de opinião publicado em 16 de agosto, 2016
O Globo

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