Especialistas apontam soluções para o sistema prisional brasileiro

Jornal Zero Hora

21 de Janeiro, 2017

“Com essa estrutura, ninguém faz milagre”
Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini – Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Qualquer solução para o sistema prisional, seja no curto ou longo prazo, depende de investimento e de recursos federais, na opinião do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini.

A ação mais urgente é retomar o comando das unidades prisionais. Difini acredita que, para isso, é necessário criar vagas. A falta de controle das carceragens permite a formação do que chama de escritório do crime.

— Hoje, se tu entras no Presídio Central, por exemplo, encontra os presos circulando pelas galerias. Lá, governam e fazem o que querem. A curtíssimo prazo tem de criar vaga. Se o Brasil não pretender fazer esse investimento, nós estamos muito perto de uma situação de barbárie e descontrole.

O desembargador não vislumbra solução na política de desencarceramento. Embora aponte a gestão como um dos problemas, o magistrado não concorda com a ideia de repassar a responsabilidade para o Judiciário. Para comandar cadeias, os Estados precisam de recurso, avalia.

— Não é função do Poder Judiciário (assumir a gestão dos presídios). Com essa estrutura que temos, ninguém faz milagre. O Presídio de Canoas (na Região Metropolitana de Porto Alegre), por exemplo, não abriu as portas ainda porque dá despesa, tem que contratar gente para trabalhar. Quem quer que assuma, vai precisar de recursos que, hoje, não se dispõe gastar. Mas eu creio que se tem algo que é prioridade para a população é a Segurança Pública.
“O Estado tem de recuperar o controle”
Guaracy Mingardi — Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Se o Estado quiser frear a violência nas unidades prisionais e evitar que a barbárie tome as ruas, como acontece no Rio Grande do Norte, terá de retomar a ordem dentro das penitenciárias.

Para isso, o analista criminal Guaracy Mingardi julga necessário organizar um planejamento nacional. A retomada do comando precisa ser feita de forma gradativa.

Para isso, seria necessário contar com apoio das polícias militares e até da Força Nacional. Separar os presos de facções rivais para evitar mais mortes e reforçar a revista para que celulares não entrem, na opinião do especialista, são as medidas mais urgentes.

— O Estado tem de recuperar, se é que algum dia já teve, o controle do cotidiano do sistema. Dá para controlar, mas tem de pegar pesado com os agentes. Além disso, tem de trabalhar a informação. Tem de saber quem são os grupos, os líderes, que locais controlam. Isso deveria ter começado no dia primeiro de janeiro.

A construção de cinco presídios federais anunciada pelo presidente Michel Temer não é a solução, na avaliação do especialista.

O número de vagas seletas e caras não seriam o suficiente para cobrir o problema de vagas.

Seria necessário construir unidades em quatro níveis: semiaberto e unidades agrícolas para presos de menor periculosidade e fechado e de segurança máxima para os demais, possibilitando a separação de presos por perfil.Cumprir a Lei de Execuções Penais, oferecendo trabalho e estudo aos detentos, permitiria que os presos saíssem da cadeia com formação.
“Pessoas cumpriram sua pena e estão presas”
Renata Neder — Assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil

A assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil Renata Neder chama atenção para a prática do superencarceramento.

As instalações em péssimas condições, a superlotação, as situações de tortura e maus-tratos, para a especialista, são um combustível para a violência. A solução, na visão dela, passa pela diminuição de presos provisórios.

— Vamos olhar para o perfil das pessoas presas. Cerca de 40% são provisórios. Alguns ficam mais de ano esperando a sentença e, muitas vezes, são condenados a uma pena menor do que a pena que já cumpriram. Além disso, a maior parte está presa por crimes não violentos.

O problema identificado por Renata é a lentidão da Justiça em julgar os processos.

— Tem pessoas que já cumpriram toda a sua pena e ainda estão presas porque não têm advogado, porque a Defensoria Pública e a Vara de Execuções Criminais estão sobrecarregadas e não providenciaram a progressão do regime.

Entre as alternativas para reduzir a violência nos presídios, Renata cita a criação de políticas públicas a fim de evitar o famoso ¿enxuga gelo¿.

— O Brasil registra mais mortes do que países em guerra. Apenas entre 5% e 8% (dos homicídios) são investigados e responsabilizados. Falta prioridade. Em 2014, a Anistia lançou a campanha Jovem Negro Vivo, em prol da redução dos homicídios. O órgão alerta para o perfil das vítimas.
“Exemplos dentro do próprio Brasil”
Julio Jacobo Waiselfiz — Autor do Mapa da Violência e pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais

A forma indiscriminada de aprisionar e de combater a violência com violência, na avaliação do especialista Julio Jacobo Waiselfiz, que é autor do Mapa da Violência, falhou.

Para ele, o modelo é parte do problema, se aprisiona muito e mal. O aprisionamento maciço, como o pesquisador intitula, está relacionado com a guerra às drogas.

— Se um contraventor ou usuário é flagrado com droga, vai preso. A nossa polícia é a polícia do flagrante, não pesquisa. Todo mundo sabe que esse contraventor vai sair criminoso de primeira geração da cadeia, porque ele entra na universidade do crime. Se não entrar (na facção), não sobrevive dentro do cárcere. Todo mundo sabe disso, a polícia sabe e a Justiça também.

Waiselfiz chama a atenção do Estado para o descumprimento da lei ao não oferecer condições mínimas de higiene e saúde em boa parte das unidades prisionais e para o alto número de presos provisórios (que aguardam sentença).

— O que vimos até agora é uma pálida amostra do que está por vir. Neste momento, não é solução imediata.Na avaliação de Waiselfiz, a mudança deve começar pela reformulação do Código Penal Brasileiro. O especialista cita ainda a Associação de Proteção e Assistência a Condenados (Apac) desenvolvida em Minas Gerais como exemplo de unidade prisional que é referênciapelo baixo índice de reincidência.

— É um sistema de carceragem onde há controle populacional e se respeita os direitos humanos.
“Repressão não levará a mundo sem drogas”
Julita Lemgruber — Socióloga e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes

A socióloga e pesquisadora Julita Lemgruber, que trabalhou como diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro, não acredita na construção de novas unidades como solução de curto prazo.

As obras podem demorar anos e os Estados precisariam de verba para contratar funcionários. Para a especialista, a violência poderia ser amenizada se a Lei de Execuções Penais fosse cumprida.

— Quando o Estado está ausente, há um vácuo de poder. É evidente que esses grupos se fortalecem, ocupam esses espaços e passam a recrutar filiados. A lei diz que o preso com ensino incompleto tem de estudar (apenas 10% estuda) e que o preso condenado é obrigado a trabalhar e aprender um ofício, pensando na possibilidade de se reintegrar à sociedade.

Como medida emergencial, a especialista destaca a revisão da situação jurídica dos presos provisórios.

Lemgruber também faz ressalva à lei de drogas, que, na avaliação dela, é combustível para explosão nos presídios.

— A gente sabe que é o pobre, negro e favelado que está na cadeia. O menino branco que mora em áreas privilegiadas vai ser sempre considerado usuário.Julita é favorável à descriminalização do porte para consumo pessoal. A especialista não se intimida em dizer que concorda com a polêmica legalização das drogas.

— O mundo está admitindo que a guerra às drogas fracassou. É ilusório pensar que com repressão violenta vá se chegar a um mundo sem drogas.
“Tem de criar rede de apoio mais atrativa”
Ana Paula Pellegrino – Pesquisadora do Instituto Igarapé

Com base em pesquisa feita pelo Instituto Igarapé, a pesquisadora associada Ana Paula Pellegrino afirma que a lei de drogas tem contribuído para o encarceramento em massa no Brasil.

Nos últimos 10 anos, prisões por crimes relacionados às drogas cresceu 18%, enquanto que a prisão por crimes em geral aumentou 7,5%. A pesquisadora destaca a prisão em flagrante, sem investigação, como uma das causas da superlotação por tráfico.

— A maioria das pessoas presas por tráfico foi pega em flagrante, estava sozinha, com pequena quantidade, desarmada e não havia cometido nenhum ato violento. O sistema foca no (traficante) do varejo, que logo será substituído por outro, e não vai atrás do grande responsável. Essas pessoas são jogadas dentro do sistema de horrores, onde estão vulneráveis ao recrutamento para o crime.

Ana Paula defende a redução de presos provisórios por audiências de custódia e mutirão carcerário.

— Não é uma coisa que se faz nas horas vagas. Se expandir audiências de custódia, que são aplicadas em poucas comarcas, algumas pessoas podem deixar de serem presas sem necessidade. Faz diferença no macro.

Possibilitar oportunidades de trabalho para presos e egressos é uma das alternativas apontadas pela pesquisadora:

— A gente tem de criar uma rede de apoio que seja mais atrativa do que o crime organizado. A escolha da pessoa dentro da cadeia é por ala de facções.

Por Schirlei Alves

O Instituto Igarapé utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e nossos Termos de Uso e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.

Pular para o conteúdo