E esse julgamento no STF, nunca vai sair?
Temos em nossas mãos uma real chance de mudar como lidamos com o uso de drogas no Brasil. Quer dizer, não exatamente nós, mas os ministros do Supremo Tribunal Federal. Se você acompanha essa discussão, deve conhecer – e possivelmente concordar com – nossa defesa do fim da guerra às drogas e a da necessidade de tratar o uso problemático de substâncias como questão de saúde. E, independente de concordar ou não com essa posição, deve estar aprendendo muito sobre o processo político nacional.
Em 2013, acompanhamos de perto a tramitação de um projeto de lei no Congresso e conhecemos como as coisas funcionam por lá. Agora chegou a vez de entender melhor o STF. E não é nada simples ou óbvio. Por que demoram tanto? Por que discordam tanto? Por que não decidem logo e acabam com nossa angústia? Não prometo explicar tudo (não tenho explicação para as togas démodés, acho que ninguém tem), mas aqui vai uma tentativa.
Primeiro, precisamos conhecer a função do STF, de guardião da Constituição. É por isso mesmo que, em seus votos, os ministros vão avaliar se a criminalização do uso de drogas – regulada pelo artigo 28 da Lei de Drogas– é compatível com nossa carta magna. Mas a partir daí muita coisa sobre o caso fica aberta à interpretação. Quem acompanhou a última sessão viu Gilmar Mendes, relator do caso, questionar pontos dos votos dos ministros Fachin e Barroso. Eles consideraram apenas a maconha, droga pivô do caso em questão.
Mas o Recurso Extraordinário pede a inconstitucionalidade de todo o art. 28, e não da sua aplicação com relação a uma substância específica. Como pode o direito à privacidade ser constitucional somente para uma e não todas as drogas ilícitas?
Outro ponto em aberto é a possibilidade do STF garantir a aplicação na prática da decisão final. É preciso tomar cuidado para não deixar que a falta do artigo 28 leve a considerarmos como traficantes todos que portem drogas, independente de ser apenas usuários – o que seria desastroso. Para resolver esse problema, Gilmar sugeriu a adoção de audiências de custódia. Fachin sugeriu a fixação de critérios pelo executivo, enquanto Barroso sugeriu de cara quantidades de referência para cannabis, seca e em pés.
Ou seja, em 3 votos – que, vale lembrar, concordam no ponto central da descriminalização – vários outros temas foram levantados: regulação do autocultivo de maconha, quantidades de referência para distinguir usuários de traficantes, a quais drogas a decisão se refere…
Os ministros estão descobrindo que política de drogas é um tema complexo. Concordamos plenamente. Toda tentativa de reduzi-lo a soluções simplistas não funcionou até hoje – pelo contrário, gerou ainda mais danos. As discordâncias e os votos seguidos de debates são um sinal de que a questão está sendo levada a sério no STF. Mas tamanha complexidade também quer dizer que temos que ter paciência.
Repetidos pedidos de vista, como o feito na última sessão pelo Ministro Teori, também compram o tempo necessário para buscar respostas a essas e tantas outras dúvidas que surgem quando quebramos os primeiros tabus e começamos a pensar sobre drogas. Por isso, não é possível estimar com precisão o quanto esse julgamento irá demorar, nem quantos pontos terá uma decisão. Os mais otimistas falavam em final de novembro (e erraram), pessimistas dizem que não vem coisa boa por aí, mas é um exercício em futurologia.
Queremos que os próximos ministros deem continuidade a esse debate de alto nível. Mas isso não quer dizer que demoras indevidas são justificadas. O legislativo já teve sua chance e não tomou as devidas providências. O executivo tampouco instituiu boas práticas na aplicação da lei na ponta, na distinção entre usuários e traficantes. Em nossa república de três poderes, cabe então ao judiciário dar fim a esse jogo de batata quente. Não deixaremos de fazer pressão para que o STF cumpra seu dever constitucional.
Por Ana Paula Pellegrino, pesquisadora do Instituto Igarapé
Artigo de opinião publicado em 1 de dezembro de 2015
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