O controle de armas salva vidas

 

November, 2015

 

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Corremos sério risco de desmontar o Estatuto do Desarmamento, legislação que evitou a perda de 160 mil vidas desde sua vigência em 2003. Foi aprovado na primeira semana de novembro o relatório final da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisou o projeto de lei que reforma drasticamente pilares da atual lei de controle de armas. Dentre as principais mudanças propostas, destaca-se a possibilidade de que pessoas voltem a andar armadas nas ruas e a diminuição da idade mínima para possuir armas de 25 para 21 anos.

O estatuto foi a primeira lei a estabelecer uma política nacional de controle de armas, definindo regras para sua produção, registro e destruição. Diversos especialistas, gestores e secretários de segurança, que viram em primeira mão a mudança gerada pela maior regulação de armas na prática, reconhecem que é a única política de redução de homicídios implementada que deu resultado nas últimas décadas, conseguindo segurar o acelerado ritmo de crescimento de nossas taxas de homicídio nas décadas passadas. Mas nossos parlamentares querem nos levar para a contramão da história, como se não bastasse sermos o país com o maior número de homicídios do mundo, cerca de 58 mil por ano, querem piorar ainda mais a situação.

Sob a falsa premissa de que mais armas em circulação melhoram a segurança do cidadão, este projeto de lei ignora boa parte do que já conhecemos sobre a relação entre armas e violência no país e no mundo. Optam por defender que, diante de nossas altas taxas de criminalidade, o cidadão precisaria armar-se para garantir sua própria defesa. O argumento baseia-se em uma lógica irresponsável e equivocada, que vai na direção contrária do fortalecimento de políticas de segurança pública integradas e eficientes na prevenção e redução da violência, ignorando os efeitos positivos do controle de armas na redução da violência letal no país.

Primeiro, o argumento distorce o Estatuto do Desarmamento, ao colocar que o mesmo desarma os brasileiros, o que não é verdade. Hoje, civis podem possuir até seis armas, que devem permanecer na residência ou no ambiente de trabalho do proprietário. O porte de armas de fogo, no entanto, é restrito a categorias específicas, incluindo membros das forças de segurança pública e de defesa.

Segundo, aposta que armas de fogo são bons instrumentos de defesa, o que não se verifica na prática. Na verdade, estudos mostram que a disponibilidade de armas tende a aumentar a gravidade dos mesmos. Andar armado também aumenta as chances de latrocínio – o roubo seguindo de morte – em 56%, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Cabe lembrar que armas de fogo são o principal instrumento usado em assassinatos no país, presentes em 70% dos casos. A média mundial é de 42%.

Além disso, armas compradas legalmente constantemente são desviadas para o mercado ilegal. Pesquisas já constataram que a grande parte das armas usadas em crimes no Rio de Janeiro e em São Paulo foram compradas legalmente. Somente no Estado do Rio de Janeiro, a CPI do Tráfico de Armas, concluída pela Assembleia Legislativa, em 2011, indicou que 8.912 armas haviam sido desviadas entre os anos de 2000 e 2010.

As evidências apontam um caminho claro para avançarmos na agenda de redução de homicídios no país: a regulação responsável de armas de fogo e a restrição de seu porte é um dos pilares centrais. Mesmo com problemas em sua implementação, como a falta de integração entre os sistemas de informação da Polícia Federal e do Exército, o Estatuto do Desarmamento se coloca hoje como baluarte nesse trajeto. Deveríamos focar em torná-lo mais robusto, não desmantelá-lo. Se nos deixarmos levar por ideologias e não por evidências, corremos o risco de perder o pouco que já conseguimos avançar nos últimos anos.

Por  Ilona Szabó de Carvalho, O popular

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