Projeto da Câmara torna mais difícil controle de armas
Outubro, 2015
BRASÍLIA – O primeiro efeito imediato do projeto que desfigura o Estatuto do Desarmamento, em análise na Câmara dos Deputados, será eternizar a posse de 631.144 armas de fogo no país. Esse é o número de registros ativos na Polícia Federal, segundo dados obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação. No Rio, são 33.029 armas cadastradas na PF, que faz controle da posse concedida a civis, tais como pessoas físicas, órgãos de segurança pública não militares, empresas privadas de vigilância e órgãos públicos.
A posse, que hoje tem de ser renovada a cada 3 anos, pode se tornar definitiva se for aprovado o texto original do projeto, que deve ser votado na comissão especial da Câmara no próximo dia 20. O ponto é um dos mais polêmicos do relatório, de autoria do deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que já está na sétima versão, tamanha a falta de consenso em torno do tema. Diretora-executiva do Instituto Igarapé, que trabalha temas relacionados à violência, Ilona Szabó critica a proposta de alteração:
— É fundamental que a periodicidade da renovação seja mantida. Atualmente, é no momento da renovação que se verifica, por exemplo, se a arma ainda está com o proprietário, é feita a comprovação da idoneidade e dos antecedentes criminais, bem como a capacidade técnica e psicológica para o manuseio de armas de fogo — afirma ela. — Se devemos renovar periodicamente nossa permissão para conduzir automóveis, fazer vistoria em carros, como não exigir a periodicidade do registro da posse de armas de fogo?
Na opinião de Ilona, o controle de armas é uma etapa fundamental para a redução da violência letal no Brasil, que faz cerca de 58 mil vítimas por ano, dos quais 70% são assassinados com o uso de arma de fogo. Ela defende a facilitação do processo de renovação da posse, com mais informatização, mas preservando a obrigatoriedade de revalidar o registro periodicamente. Ilona cita o Reino Unido como um bom exemplo, por ser um país com regulação restrita de armas e munições onde a validade da posse é de 5 anos.
Para o deputado Carvalho, entretanto, o Estatuto do Desarmamento, atual legislação de controle de armas no Brasil, em vigor desde 2003, não foi capaz de inibir a violência. Ele destaca que o objetivo do seu relatório é desburocratizar os processos para aquisição das peças, o que “não significa vender ou distribuir armas em qualquer esquina”. Com regras mais flexíveis, o parlamentar diz acreditar que será possível legalizar as armas que atualmente circulam na clandestinidade.
— Acima de tudo, defendo que as mais de 600 mil armas já devidamente registradas no Brasil mantenham sua validade permanente. O cadastro dessas armas já tramitou em sua totalidade, não há motivo para que o cidadão refaça todo o processo — defende Carvalho.
IMPORTAÇÃO DE ARMAS FACILITADA
De acordo com o balanço da Polícia Federal, quase metade (47,1%) das 631.144 armas com registro ativo está nas mãos de pessoas físicas. Entre os estados com o maior número de registros para o cidadão comum estão São Paulo (46.828), Rio Grande do Sul (41.473), Minas Gerais (30.923), Santa Catarina (27.387) e Paraná (26.252).
O segundo maior volume de armas cadastradas na PF é para empresas de segurança privada: 38% do total. A pedido dos funcionários dessas firmas, o projeto tem um capítulo específico sobre a segurança privada, de modo a facilitar que os vigilantes consigam o porte de arma para se defenderem, mesmo fora de serviço. Órgãos civis de segurança pública são responsáveis por 8,1% dos registros na PF. Os cerca de 7% são pulverizados entre órgãos públicos, lojas de armas, entre outros.
No texto que será votado na Câmara, várias categorias profissionais conseguiram garantir a prerrogativa de porte funcional, tais como agentes de trânsito, advogados da União e motoristas de caminhão. Outros pontos do relatório que vêm sendo questionados é a diminuição de 25 para 21 anos da idade mínima para comprar armas e o aumento de 3 para 5 anos da validade do porte.
GOVERNO PREPARA DECRETO
Nem mesmo a bancada da bala, que domina a comissão, entrou em consenso a respeito de determinados pontos do relatório, o que levou a votação a ser adiada desde o dia 10 do mês passado. Um dos itens mais controversos é a facilitação da importação de armas. A proposta contraria a indústria local, que financiou a campanha de alguns dos deputados da comissão.
Na tentativa de barrar o avanço do projeto que esvazia o Estatuto do Desarmamento, pronto para ser votado em comissão especial da Câmara, o governo Dilma Rousseff prepara um decreto para ampliar a validade da posse de armas, de 3 para 5 anos. Essa é uma das propostas do texto que já foi encaminhado pelo Ministério da Justiça à Casa Civil.
A explicação do governo para a mudança é que o prazo atual de 3 anos para renovação da posse de arma não coincide com a validade do atestado de manuseio técnico, que é de 5 anos. O desencontro de datas, a partir da primeira renovação, desestimularia muitos proprietários a manter suas armas legalizadas, empurrando-os para a clandestinidade.
O governo prega que as mudanças já vinham sendo discutidas há algum tempo internamente e que servirão para fortalecer o controle de armas no país, e não para atender reivindicações da bancada da bala. De acordo com o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel de Carvalho Sampaio, é natural que uma legislação passe por aperfeiçoamento:
— Já temos maturidade para fazer ajustes necessários na lei, visando o cidadão de boa fé que tem porte ou posse para sua segurança pessoal, além de outras situações pontuais — explica Sampaio.
O texto do decreto passou pelo Ministério da Defesa antes de ser encaminhado à Casa Civil. O Exército tem mostrado preocupação com a proposta que esvazia o Estatuto do Desarmamento na Câmara, especialmente porque traz regras que facilitam a importação de armas e munições, o que prejudicaria a indústria nacional de defesa, da qual empresas públicas fazem parte.
Renata Mariz, O Globo