Uma outra história
Há séculos perpetuamos dinâmicas de desigualdades que originam diversas violências contra mulheres em nosso país. Cerca de 13 mulheres são assassinadas diariamente. Mulheres negras são a maioria das vítimas: entre 2003 e 2013 vimos um aumento de 54,2% do feminicídio desta população, enquanto entre mulheres brancas houve uma redução 9,8%. Mulheres e meninas são também vítimas de mais de 88,5% dos estupros. A cada dia, mais de 400 são atendidas em unidades de saúde vítimas de violência física. Soma-se à lista das violências cotidianas a nossa sub-representação na vida política e econômica do país.
Não é exagero dizer que a violência também é institucional. Entre 2000 e 2014, a população carcerária feminina aumentou mais de 567%. Por que elas estão lá? Cerca de 68% responde por tráfico de drogas, sem agravante de violência e sem associação às organizações criminosas. São mulheres negras e pobres, que trabalhavam em sua maioria no transporte de drogas como “mulas” ou “vapores”. Fazem os trabalhos de menor valor, seguindo uma divisão de trabalho que também prevalece no mundo lícito. Muitas foram coagidas ou atenderam um pedido do companheiro, por vezes já preso.
Violências também se perpetuam em nossas dinâmicas profissionais. Além de nos confrontarmos aos “tetos de vidro” impostos por lógicas de divisão do trabalho entre gêneros, ganhamos menos e temos que fazer escolhas que não são colocadas aos homens, tal como o complexo equilíbrio entre maternidade e carreira.
E quando gritamos por nossos direitos, nos dirigimos a um Congresso em que as mulheres representam pouco mais de 10% do total de seus membros. São eles que debatem nossos direitos reprodutivos, além de outros direitos e políticas que impactam a perpetuação das violências contra mulheres e meninas. Diante desta presença desproporcional nos espaços de tomada de decisão, decisões que afetam metade da população acabam sendo percebidas como “especiais”. Legislam por nós, sobre nós, mas raramente conosco.
Diante desta realidade, qual é nossa alternativa?
Precisamos romper com a lógica da desigualdade
Precisamos de mais mulheres em posições-chave de tomada de decisão nas áreas em que somos sub-representadas. Para tanto, é urgente que nos engajemos na ruptura de silêncios e conformismos. Silêncios sobre espaços que historicamente não ocupamos, sobre debates dos quais não tomamos parte. Conformismos sobre nossas “obrigações” familiares e laborais. Silêncios sobre mulheres que sofrem, seja por sua condição social ou pela cor de sua pele, um impacto ainda maior de patriarcalismos e misoginias que se perpetuam de geração em geração.
Por isso, nos juntamos às vozes de mulheres de diferentes trajetórias que lutam pela ruptura destes silêncios e conformismos. Unimos nossas forças às forças de tantas mulheres que resistem e inspiram o engajamento na construção de uma sociedade em que o patriarcalismo, o racismo, a misoginia e outras formas de intolerância e discriminação não norteiem debates e políticas públicas.
Façamos da ruptura com essas dinâmicas de violência baseada em gênero a nossa agenda. Protagonizemos uma outra história.
Por Ilona Szabó, Ana Paula Pellegrino, Michele dos Ramos, Maiara Folly, Paula Napolião e Renata Giannini.
Artigo de opinião publicado em 8 de março de 2016
Revista TRIP