Um pacto pelo Rio
Fevereiro, 2018
O carioca está com medo. As imagens da troca de tiros entre traficantes e policiais na Linha Amarela falam por si. O que deu errado? Por que não conseguimos sustentar a diminuição da criminalidade como tantos outros lugares o fizeram? Quais são os impactos de longo prazo da exposição à violência para os indivíduos e para a nossa sociedade? Estamos todos juntos vivendo o temor diário de nos tornamos a próxima vítima. Falamos pouco, ou quase nada de consequências como a síndrome do pânico, ansiedade e estresse crônicos e de como é importante tratá-las. Falamos menos ainda sobre como a normalização da violência afeta as relações e a convivência entre desiguais em uma cidade partida.
Eu senti o terror junto com a mulher grávida que tentava fugir do tiroteio. Imaginei seu coração e o do seu bebê, sentindo o pavor da mãe. Eu também tentei alcançar o que o policial da foto precisava superar para trabalhar em uma cabine blindada toda alvejada de tiros de grosso calibre. No dia a dia do meu trabalho, preciso muitas vezes tentar abstrair a proximidade dos fatos que comento para manter a sanidade mental. Mas isso é incomparável com a situação do policial que está na linha de frente, que sai de casa sabendo que é um alvo. O desrespeito pela lei e pelos agentes da lei é certamente uma das questões mais inaceitáveis e centrais de nossa guerra particular.
Foi bem mais difícil, no entanto, conseguir me imaginar no lugar dos jovens criminosos armados na moto. Audácia, desamor, total desapego pelo valor e sentido da vida, dos outros, mas também das suas. Frequentemente frutos de famílias despedaçadas, imobilidade social e falta de perspectivas. Com expectativa de vida bem menor do que o carioca da Zona Sul, assim como as expectativas de uma vida melhor. Aqui sei que é muito mais difícil encontrar convergência de sentimentos, mas essa reflexão é muito importante para a construção de políticas de prevenção do envolvimento no crime de gerações futuras.
Em meio a tantas dificuldades, a sociedade vem se mobilizando. Há muitas iniciativas da sociedade que contribuem para um Rio mais seguro e habitável. Entre elas, estão ações como o Reage Rio, a Campanha Instinto de Vida, as mobilizações do Rio de Paz, e aplicativos como Fogo Cruzado, Defezap e o CrimeRadar. Há também grupos como os Parceiros da Segurança Pública, empresários e profissionais liberais que se juntaram ao Instituto Igarapé para promover ações e projetos na área segurança pública, em parceria com instituições do Estado. Essa iniciativa foi responsável em 2017 pela implementação de um sistema de análise criminal da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, chamado ISPGeo, que permite o melhor planejamento e alocação de recursos policiais em locais e horários de maior probabilidade de ocorrências criminais. Se de fato apropriado pelas polícias, trará os resultados que tanto sonhamos.
Para quem ainda não acredita na força e na centralidade do papel da sociedade na conquista da segurança pública, veja o caso de Medellín, na Colômbia. A cidade, que já ocupou o topo da lista de cidades mais violentas do mundo, tornou a queda de 90% nos homicídios uma conquista sustentável e permanente graças ao engajamento de diversos segmentos da sociedade e à institucionalização das políticas bem-sucedidas. O prefeito Federico Gutiérrez não credita o feito a gestões específicas, mas ao entendimento de que segurança não tem lado, é um direito do cidadão. Intervenções de segurança pública que funcionam não podem ser interrompidas. Em 2003, foi criada uma coalizão de empresários, universidades, gestores públicos e a sociedade civil organizada, que se reúne mensalmente, desde então, para discutir o futuro da cidade.
Nós já temos a agenda de políticas públicas de curto, médio e longo prazos, que precisa ser implementada para virarmos de vez a página da insegurança. Também sabemos que instituições e níveis de governo precisam assumir papel mais relevante e responsável em cada uma das etapas. Mas, para que essa agenda saia do papel, um verdadeiro pacto pelo Rio precisa ser fundado. Em Medellín, boa parte dos empresários não abandonou a cidade mesmo em seus piores momentos. Hoje, seis das dez maiores empresas listadas na bolsa colombiana têm sede na cidade. Neste ano de eleições, temos a chance de repactuar e exigir que a segurança pública seja levada a sério. Voto para que essa chance não seja desperdiçada.
*Ilona Szabó é diretora-executiva do Instituto Igarapé