Três fatores fundamentais para que a exceção não vire regra
Fevereiro, 2018
Os episódios de violência no Rio de Janeiro, propagados à exaustão nos últimos meses, são combustível para forte apelo popular por soluções imediatas. Décadas de negligência dos três poderes em relação à segurança pública e o uso irresponsável do tema para fins políticos foram elementos substanciais da erosão dos índices criminais. Sabemos como viemos parar aqui. Diante da intervenção apresentada pelo governo federal como solução inédita e extrema para esse cenário, nos vemos em um momento decisivo para entender para onde estamos indo. É indiscutível o caráter de exceção de tal medida e, por isso, imperativo que ela seja capaz de chegar a resultados estruturais e sustentáveis. Em termos práticos, isso passa por três pontos chave: articulação, transparência e participação cidadã.
Em relação ao primeiro ponto, a intervenção deve primar pela colaboração com a força-tarefa federal de combate à violência e ao crime organizado autorizada em outubro do ano passado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com foco no enfrentamento ao tráfico de drogas, armas e munições, além da lavagem de dinheiro consequente a essas atividades. Tal parceria será essencial para enfrentar a questão chave levantada como um dos objetivos principais desta intervenção — a corrupção policial, trabalho que precisa ser feito de maneira continuada e não pontual.
Essa articulação precisará ocorrer também internamente. No momento inicial da operação, será preciso avaliar quem são as equipes meritosas atuando na Secretaria estadual de Segurança e nas polícias estaduais — elas existem e precisam ser fortalecidas diante de um momento em que as polícias estão bastante debilitadas. Nesse sentido, na Polícia Militar, é urgente o investimento em equipamentos e melhores condições de trabalho, em paralelo ao treinamento dos policiais em diferentes frentes. Na Polícia Civil, serão prioritários investimentos em perícia e investigação, além de resgatar a sucateada área de tecnologia da informação.
O compromisso com a transparência e modernização do trabalho policial é outro quesito fundamental. Nesse sentindo, é preciso valorizar e fortalecer o trabalho do Instituto de Segurança Pública (ISP), cujos dados têm permitido avanços em direção a um policiamento orientado aos problemas, baseado em evidências. Exemplo desse trabalho é o ISPGeo, sistema de análise criminal que permite o acompanhamento de manchas criminais em tempo real. Fruto de parceria entre a Secretaria de Segurança do Rio, o Instituto Igarapé e empresários fluminenses, a ferramenta tem já planejada uma segunda fase que, colocada em prática, integrará o controle dos recursos operacionais, humanos e físicos, das várias instituições de segurança pública, o que traria a capacidade real de gestão da segurança pública.
Ainda nesse tema, será imprescindível a constante publicação dos resultados alcançados pela operação e prestação de contas sobre recursos utilizados. Tais atividades se relacionam com o último fator, de igual importância: a participação cidadã. Será preciso buscar uma estratégia distinta da escassez de detalhes que marcou o lançamento das ações e dialogar de maneira permanente com a sociedade civil — incluindo moradores de áreas mais afetadas pela violência. A aproximação de cidadãos e cidadãs do processo será crucial para que autoridades deem respostas a preocupações já apontadas sobre possíveis efeitos negativos da medida, relacionadas a falta de transparência, violação de direitos e insegurança jurídica.
Indicada como prioridade da intervenção federal por autoridades, o combate à corrupção policial é fundamental e, se bem-sucedida, terá papel na melhoria dos índices de segurança fluminenses. No entanto, essa não poderá ser métrica exclusiva de sucesso das operações, que precisam dos fatores mencionados acima para justificar seu caráter de exceção. Tema dos mais caros à população fluminense, a definição sobre o futuro da segurança pública do Rio precisa ir além de medidas de curto prazo e deixar um legado de fortalecimento real das instituições de segurança pública do estado. Só assim medidas extraordinárias deixarão de ser a regra.
* Ilona Szabó de Carvalho é diretora-executiva do Instituto Igarapé