‘Segurança pública não tem lado’
Com o Rio sob intervenção, especialista diz que os governantes precisam apresentar com urgência ações para começar a “virar o jogo” contra a violência
Por Ilona Szabó
Publicado na Revista Época
A polarização não pode ofuscar alguns avanços de extrema importância em consensos conquistados na Segurança Pública. Neste ano, o tema mobilizou debates fervorosos nas redes e fora delas, em especial no período eleitoral, e pela primeira vez ganhou prioridade máxima. Só dividiu a cena com o combate à corrupção, que, longe de ser agenda antagônica, complementa a pauta de prevenção e redução da violência.
Todos queremos viver em um país mais seguro. Esse foi o primeiro consenso sobre por que a Segurança Pública precisa ser tratada com urgência pelos governos eleitos em 2018. Ninguém aguenta mais viver com medo de andar nas ruas, de deixar os filhos brincar nas praças, de não saber se vão voltar para casa. A grande maioria da população também concorda com o que precisa ser feito de imediato: priorizar o enfrentamento aos crimes violentos, como homicídios, e ao crime organizado, que se infiltra em instituições públicas e controla nosso sistema penitenciário.
Neste ano tive certeza de que uma agenda técnica com propostas baseadas em evidências é acolhida e aceita por partidos e lideranças de diferentes espectros políticos, quando participei da elaboração e disseminação do documento Agenda Segurança Pública é solução, lançado pelo Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Apresentado em dezenas de conversas com candidatos à Presidência, aos governos estaduais e ao Legislativo, a Agenda serviu de base para debates construtivos sobre planos de curto, médio e longo prazos para virar o jogo da insegurança no Brasil.
Nele, duas prioridades são apontadas: reduzir os crimes violentos, em especial homicídios, e enfraquecer o crime organizado. Para isso, indica sete eixos de atuação. O primeiro trata de como implementar o recém-aprovado Sistema Único de Segurança Pública, com atenção aos papéis do nível federal, do estadual e do municipal, assim como dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Sugere também dar mais transparência aos dados da área e fortalecer a formação de seus profissionais. No seguinte, propõe a criação de estruturas de inteligência e investigação para diminuir o poder econômico e bélico de grupos criminosos. O novo ministro da Justiça poderá, com sua experiência, contribuir diretamente para o combate à lavagem de dinheiro dessas organizações e à corrupção de agentes de segurança.
Em seu terceiro eixo, a agenda destaca a importância de a polícia dispor de recursos humanos, tecnológicos e financeiros para atuar de maneira efetiva. Isso só é possível com acesso a mapas que apresentem informações sobre a ocorrência de crimes em tempo real; treinamento voltado para o serviço de inteligência; e investimento em perícia para aprimorar a investigação e o esclarecimento de crimes. É necessário também garantir que agentes priorizem o serviço público, o que é possível com o aprimoramento de mecanismos de controle interno e externo, em paralelo à valorização profissional.
O quarto ponto busca reestruturar a gestão e a infraestrutura do sistema prisional. Para isso, indica a introdução de tecnologias como scanners, videomonitoramento e bloqueadores de celulares. Tais ferramentas, ao mesmo tempo, podem mitigar o controle das prisões exercido pelas facções criminosas e a corrupção de agentes penitenciários. A adoção de penas alternativas à prisão para alguns tipos de crimes e o apoio à reintegração de detentos também são mencionados.
O quinto eixo recomenda o fomento a ações preventivas para reduzir a violência — concentrando-se sobretudo em crianças, adolescentes e jovens —, que podem ser conduzidas por municípios e estados. Entre os exemplos de estratégias estão: reduzir a exposição à violência na primeira infância, combater a evasão escolar e revitalizar áreas marginalizadas. A sexta parte é dedicada à atualização da lei sobre drogas, com um olhar de saúde pública para o consumo, à proporcionalidade de penas e à orientação de recursos policiais e judiciais para o combate ao crime organizado e violento.
Por fim, ressalta a necessidade de fortalecimento da regulação responsável por armas de fogo e munições. O foco deve ser no combate ao tráfico nacional e internacional de armas; na melhoria do rastreamento e marcação das armas e munições apreendidas; e na integração das bases de dados da Polícia Federal e do Exército. Como está cada vez mais evidente, não podemos abrir mão da proibição do porte de armas para cidadão comuns. Já a posse, prevista por lei, deve ser regulada de maneira mais eficiente.
Engana-se quem pensa que Segurança Pública tem lado. Em 2019, queremos reforçar as propostas para a sociedade, de maneira que todas e todos possamos compreender quais pedidos e cobranças a autoridades de fato nos trarão a tranquilidade de andar pelas ruas. É mais que urgente que nossos governantes nos apresentem ações que comecem a virar o jogo no presente. Mas que também tenham sustentabilidade para que possamos viver em paz em um futuro próximo.