Segurança deve ser enfrentada com plano nacional que tenha grande apoio político
Dezembro, 2017
RIO — O Brasil só conseguirá enfrentar seus problemas de segurança pública, que geram, em média, cerca de 60 mil homicídios por ano, se tiver um plano nacional que tenha grande apoio político, com recursos suficientes para desenvolver ações nas áreas mais violentas e que seja monitorado de perto para aplicar mudanças nas propostas sempre que necessário. Esse seria o caminho inicial apontado pela pesquisadora do Instituto Igarapé, Michele dos Ramos, e Nivio Nascimento, coordenador da unidade do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes, para romper com o ciclo de mortes violentas no país.
Os dois participaram da série Encontros O GLOBO, que desta vez teve a exibição do documentário em animação “A Guerra do Brasil”, narrado pelo ator Lázaro Ramos. O documentário, produzido pelo GLOBO, apresenta o número total de assassinatos no Brasil no século XXI (entre 2001 e 2015), de acordo com dados do Ministério de Saúde: 786.870. A narrativa busca dar a dimensão deste número, mostrando também o total de homicídios em guerras, como as da Síria e do Iraque, e em outros países com realidades sociais semelhantes às do Brasil ou tão populosos quanto.
Para os debatedores, além de uma política nacional que se baseie em bons exemplos já aplicados no país e em países da América Latina, é preciso também focar em dois outros aspectos: iniciativas preventivas da violência e aumentar o aparato de segurança pública para apontar os responsáveis pelos homicídios. Na avaliação deles, não conhecer quem mata é um problema grave que dificulta criar soluções para evitar o aumento da violência.
– Para a gente fazer política pública de segurança pública baseado em evidências, a gente precisa das evidências. E para isso precisa de dados e informações e isso no Brasil é uma situação desesperadora. A gente tem alguns estados com algumas informações estruturadas, mas em nível nacional ele está muito aquém do tamanho do nosso desafio. Pensando no nosso tema, que é a violência letal, os homicídios no Brasil não são esclarecidos. Um percentual muito pequeno desses casos chega à condenação e isso é muito grave. A gente não valoriza a vida – explicou Michele.
Segundo ela, é necessário também uma agenda de prevenção, assim como se trabalha na área da saúde, fortalecendo fatores de proteção para reduzir os riscos de letalidade. Essa agenda preventiva, na avaliação dos debatedores, pode ser por meio de programas sociais, melhorias na educação e outras ações que devem ser focadas nas regiões onde há mais mortes violentas.
– E quando a gente defende medidas de prevenção ninguém está querendo passar a mão na cabeça de bandido. Ninguém quer uma sociedade de impunidade. As duas coisas (repressão e prevenção) estão extremamente articuladas. Quando a gente pega a agenda de repressão, muitas vezes ela se concentra em territórios de pouco impacto de maneira geral, porque a polícia vai onde o Estado não está. A polícia vai lá enfrentar garotos que podiam ter passado por uma agenda de prevenção – argumentou Nascimento.
Nascimento e Michele alertaram também para o risco do país ficar refém do discurso populista que aponta soluções como redução da maioridade penal e mais facilidade para aquisição e porte de armas para civis para resolver a questão da segurança pública. Isso poderia agravar o problema, segundo eles.
– A gente pode descambar para o populismo penal, simplesmente propondo mais cadeia, redução da maioridade penal ou o discurso de que bandido bom é bandido morte ganhar força – analisou Nascimento ao mostrar o risco do debate eleitoral do ano que vem.
Para Michele, ao falar sobre segurança pública mexemos com nossos medos do cotidiano e isso pode ampliar a sensação de que é necessário ampliar a agenda de repressão.
– Quando a gente fala de política de segurança pública a gente abre na verdade uma espécie de caixa de pandora no sentido de que a gente vai trabalhar com nossos medos e é sempre muito sensível. E aí a gente tem responsabilidade muito grande dos formadores de opinião e de quem vai se apresentar no ano que vem nas eleições de que esse nosso medo não seja usado na defesa de políticas que sabemos que não funcionam se usarmos os exemplos internacionais – disse ela, citando como exemplo a redução da maioridade penal e uma regulação mais frouxa para aquisição de armamentos para civis.
O documentário pelo GLOBO também foi acompanhado de um conjunto de reportagens, publicadas ao longo da última semana, que faz um diagnóstico das ações do governo federal para combater o avanço dos homicídios.
As reportagens e artigos também fazem parte do projeto “A Guerra do Brasil”. O material está reunido em um ambiente especial no site (www.aguerradobrasil.com.br). Por meio da apresentação dos dados, o projeto “A Guerra do Brasil” pretende lançar luz na discussão sobre segurança pública e tratar de possíveis soluções para frear a curva ascendente de homicídios no país, um dos pontos que serão discutidos hoje.