O Novo Ano e as Mulheres do Brasil
Janeiro, 2018
Os Feminismos são o futuro social
Direitos iguais são direitos humanos. Quanto mais essa premissa for respeitada e adotada em uma sociedade, mais desenvolvida e próspera será a nação. Há quatro anos, escrevi aqui no Blog da Igualdade (em sua primeira versão) sobre uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com as estatísticas dos países mais ricos, desenvolvidos e com potencial para melhorar ainda mais seus Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e a qualidade de vida da população. Não restava dúvidas entre dirigentes da OIT quanto ao sucesso das sociedades que respeitam as diferenças e legislam em favor das diversidades, principalmente, em relação à maior equidade de direitos para as mulheres.
Neste início de ano, a Islândia – um dos países mais igualitários do mundo e bem conceituados no que tange o IDH, a qualidade de vida – decidiu acabar de vez com as desigualdades salariais e de oportunidades entre homens e mulheres, ou entre os gêneros humanos. Na segunda-feira, Ano Novo, entrou em vigor a lei que torna ilegal pagar mais aos homens do que às mulheres. A lei vale tanto para os órgãos governamentais quanto para o setor privado, em empresas com mais de 25 funcionários. Para garantir o cumprimento da medida, empresas públicas e privadas deverão obter uma certificação especial do governo daquele país, que garantirá as políticas de igualdade salarial. Caso não consiga o certificado, a empresa será multada.
Como a Islândia chegou a elaborar e a efetivar tal lei? Claro, não foi da noite para o dia. Há anos o país toma cuidados contra as desigualdades e a corrupção. E a atual medida recebeu apoio de todos os partidos políticos no país, onde quase metade dos membros do Congresso são mulheres. A Islândia é líder no empoderamento político feminino e na luta pela igualdade salarial. Em 2017, pela nona vez, o país ocupou o primeiro lugar no Índice Global Gender Gap do Fórum Econômico Mundial, que classifica 144 nações com base em quão perto estão de alcançar a igualdade de gênero. Segundo o último relatório, a Islândia já havia fechado 87% das lacunas de diferença de gênero.
Agora, é o primeiro país no mundo a tornar a igualdade salarial obrigatória. A meta é erradicar as disparidades salariais entre homens e mulheres até 2022. A lei foi aprovada em março de 2017, quando o ministro da Igualdade e Assuntos Sociais da Islândia, Thorsteinn Viglundsson, defendeu que “direitos iguais são direitos humanos”. Segundo o ministro, a garantia para que homens e mulheres tenham igualdade de oportunidades no local de trabalho seria responsabilidade do Estado. Quão distantes desse grau de civismo, de sociedade igualitária, de IDH, estamos nós, cidadãs/cidadãos do Brasil?
É assim. Neste país, um diplomata, Renato de Ávila Viana, que até há poucas semanas ocupava um alto cargo no Ministério das Relações Exteriores, é reconhecido internacionalmente como um espancador de mulheres. Ele não só arrancou dentes e deixou lesões graves em sua namorada brasileira, como também já havia sido denunciado por outras duas mulheres em países onde foi enviado para missões diplomáticas. Agora que o caso ganhou notoriedade no Brasil, o Itamaraty resolveu tomar medidas que podem resultar na exclusão do diplomata dos quadros do MRE.
Neste Brasil, um deputado federal que nunca aprovou sequer uma emenda de sua autoria, mas com aspirações à Presidência da República – com o apoio de pelo menos 14% do eleitorado – faz apologia ao estupro e prega que mulheres devem receber salários menores que os homens, “porque elas engravidam”. Nem é preciso dar nome ao boi, não é? Neste caso, o ditado que cita um ruminante vem bem a calhar.
Ainda neste Brasil, um vereador, Guilherme Prócida (PSDB), de Mongaguá, no litoral de São Paulo, foi condenado a três meses e 18 dias de detenção por agredir a ex-mulher. A vítima, uma professora de Educação Física de 33 anos, foi alvo de socos na cabeça, teve o cabelo puxado e foi arrastada pela escada de sua casa. Também é no Brasil onde um magistrado de alta Corte é denunciado como espancador pela esposa, mas nada acontece a ele.
As violências físicas, morais (incluindo aí as discriminações no trabalho, além do ambiente doméstico) e psicológicas contra as brasileiras, principalmente, contra as negras, são tão acentuadas que classificar esta sociedade como um patriarcado machista e misógino é pouco. Apesar de suas leis, inclusive.
A mistura perversa e histórica de alto grau de corrupção com tradições machistas e escravagistas tornaram esta a nação que mais mata jovens negros e negras; que mais assassina e espanca pessoas LGBTI; que permanece há décadas entre os 4º e 5º lugares mundiais em feminicídios – o assassinato de mulheres por serem mulheres (por questões de gênero); e é o campeão em estupros, especialmente de crianças (pedofilia). Se considerados os casos notificados e os que são subnotificados (sob outras denominações), além dos que não chegam a ser registrados, as projeções feitas pelo IPEA e pelo Mapa da Violência no Brasil são de que provavelmente ocorra um estupro a cada 15 segundos neste país. Ou mais de 500 mil casos por ano.
Um país de bárbaros. O que chega a ser irônico, dado que a ilha nórdica que hoje é a Islândia foi invadida e acabou colonizada, em grande parte, pelos Vikings. São aqueles povos originários da Escandinávia – Suécia, Noruega e Dinamarca – que promoveram, entre os séculos VIII e XI, as chamadas invasões bárbaras, em suas viagens expansionistas por várias partes da Europa e do mundo.
Aliás, ainda mais irônico é saber que tais povos, apesar de também serem patriarcais, sempre trataram de valorizar suas mulheres. Sabiam muito bem que sem elas não conseguiriam formar seus exércitos, seja para a defesa de seus próprios territórios, em brigas tribais, seja para as invasões e o domínio de outros países. As mulheres nórdicas eram fundamentais tanto na criação das crianças quanto para o treinamento militar. Ou seja, como guerreiras e para treinar as futuras gerações, em todos os aspectos.
Hoje, essa cultura nórdica mostra seus frutos. A Islândia, que segundo dados de 2014 estava em 10º lugar na igualdade de gênero, hoje busca o primeiro (na época ainda estava nas mãos da Holanda); a Suécia é o segundo; a Dinamarca, o terceiro; e, a Noruega, em 5º lugar. A Finlândia, que junto com a Islândia também integra a grande Escandinávia, está em 6º lugar. Quão bárbaros são esses “bárbaros”?
As múltiplas violências contra as mulheres não acontecem por acaso. São fruto das desigualdades históricas em uma nação. Essas que são perpassadas pelas gerações, perpetuadas por meio de “tradições”, estereotipias e más representações divulgadas pelas literaturas – ficcionais ou não, pelo cancioneiro, pelas artes, pela imprensa. Enfim, pelas diversas mídias. No Brasil, é visível a má vontade, a falta total de conhecimento, ou a ignorância em relação aos temas e políticas de gênero, economia, desenvolvimento e sociedade.
Por coincidência, quando comecei a escrever este artigo, em um café de Brasília, três jovens – dois rapazes e uma moça – debatiam algum trabalho publicitário na mesa atrás da minha. Não pude deixar de ouvir, e de me indignar, com o fato de os dois homens ainda imaginarem que as “minorias” são o que dividem e criam “guerrinhas” no país. Que é “chato” esse papo de gênero, de raça, ou das questões LGBTI. Ou mesmo que o Dia Internacional da Mulher é importante para os homens porque não podem esquecer de dar flores às mulheres. Isso é só um petisco do que escutei, pois acabei me levantando antes que vomitasse. Fiquei pasma.
Esses são os jovens da classe média, educada, do Brasil. Aqueles que se dão ares de intelectuais – mas, raramente ou nunca leem livros. Ainda antes de me levantar e sair, escutei o início do que é o terrorismo psicológico comum dos homens em relação às mulheres. Os dois pressionavam a moça a “confessar” que quando saía a noite, para bares ou festas com as amigas, sempre estaria na “caçada” por homens. Não respeitaram a primeira resposta dela, sobre querer apenas se divertir, dançar e conversar com suas pares.
Que país é esse? Ao amigo Renato Russo – que já sabia a resposta –, este é o país dos reais bárbaros. Dos machopatas (a doença social coletiva do Brasil), aprendizes de fascistas. Daqueles que, pela mais completa ignorância (voluntária), simplesmente não escutam as vozes do Outro.
Quanto maior a desigualdade de gênero em uma nação, mais graves são os níveis de violência contra as mulheres. O inverso é também válido, pois quanto maior a igualdade, mais segura é uma sociedade para todos e todas. Os dados não deixam dúvidas: um dos melhores indicadores de estabilidade e prosperidade de um país é quão bem as mulheres são tratadas. O grau em que elas estão envolvidas na política está correlacionado, por exemplo, a níveis de corrupção e renda nacional e mesmo à probabilidade de conflito armado.
Isso de acordo com o excelente artigo – A Igualdade de Gênero é Boa para a Segurança e o Desenvolvimento Econômico. Então, por que ela não é uma prioridade? – publicado por Evelyne Coulombe (cônsul do Canadá no Rio de Janeiro), Renata Giannini e Maiara Folly (ambas do Instituto Igarapé), no Le Monde Diplomatique – Brasil. Se a maior participação feminina na política tem um impacto tão positivo na estabilidade nacional, por que as mulheres são tão sub-representadas?
“Com poucas exceções, as mulheres ainda constituem a minoria dos políticos eleitos em todo o mundo. Os números são chocantes. Em 2016, apenas 22,8% de todos os parlamentares nacionais eram mulheres (o que representa um aumento de 11,3% em relação a 1995)”. Le Monde Diplomatique – Brasil, 7 de Setembro de 2017.
Em 40 países, em geral os menos desenvolvidos – mesmo sendo alguns na Europa, menos de 10% dos políticos eleitos são mulheres. O Brasil está apenas um pouco melhor do que tais países, com algo em torno de 11% de eleitas para o Congresso Nacional.
“O atual governo tem somente uma mulher a frente de um dos 25 ministérios. As mulheres estão também visivelmente ausentes de cargos empresariais de alto nível. A violência baseada em gênero no país é igualmente impressionante: o Brasil ocupa hoje o quinto lugar no mundo entre os países com maior número de mulheres assassinadas (…)”. Le Monde Diplomatique – Brasil, 7 de Setembro de 2017.
Este é um resumo da situação geral das mulheres desta nação, neste início de século XXI. Bravo às que conseguiram eleger-se para cargos políticos, ou às que chegaram aos cargos executivos mais altos nas empresas públicas ou privadas ou, ainda, às que também constituíram famílias estáveis e amorosas. São exceções. Fazem parte desses prováveis 10 a 11% de toda a sociedade. A regra aqui é outra. Não é por menos que o “gigante do futuro”, como o Brasil já foi chamado por tantos e tantas chefes de Estado, patina quase no mesmo patamar de IDH e qualidade de vida do início do século passado. Hoje, divide a 79ª posição com um minúsculo país (ilha) do Caribe como Granada.
Há os períodos de avanços. Aqueles de muito sangue, suor e lágrimas das feministas, das mulheres que ousaram e ousam sair às ruas e/ou invadir gabinetes, cortes e parlamentos. Que fizeram e fazem greves. Sem elas, ainda estaríamos à mercê de muitos, milhares ou milhões, de outros bolsominions machopatas.
Sim, claro que há muitos homens sãos nos movimentos progressistas pelos direitos humanos e igualitários. Mas, apenas contem. Sem elas, sem os feminismos – os diferentes enfoques das diversidades entre as mulheres -, tais movimentos seriam apenas sopros. A inserção e a união das mulheres, em real sororidade, são o passado, o presente e o futuro de uma nação desenvolvida, plena em direitos e em igualdade de oportunidades e salários. Feliz Ano Novo e vamos a luta!
PS: Não é incrível? Os dinossauricos dicionários brasileiros sequer trazem o significado da palavra SORORIDADE! Ela e FEMINISMO foram as duas mais procuradas no Google, entre 2016 e 2017, no mundo.