Infância atrás das grades
Fevereiro, 2018
Folha de S.Paulo
Pensem nas crianças. Por favor, pensem nas crianças. Se não por compaixão, por reconhecer o alto preço de aprisioná-las com suas mães. Esse é o meu pedido de mãe aos membros do Ministério Público e do Judiciário. Cuidem do nosso futuro. Hoje sabemos dos impactos físicos, emocionais e neurológicos que a exposição à violência e a situações degradantes na primeira infância têm na vida adulta. Não há como tantos operadores da Justiça se colocarem como isentos diante da responsabilidade que têm com nossas crianças, elo mais frágil da trágica crise carcerária e de segurança pública.
É hora de discutirmos o conceito de Justiça em nossa sociedade tão desigual e excludente. Tirar a venda e abrir os olhos, assim como era na Grécia antiga a representação da deusa da Justiça, Diké. Usar mais a balança —a equidade, o equilíbrio, a igualdade na aplicação da lei. A espada está sendo usada de forma desproporcional em milhares de casos criminais envolvendo gestantes e mães, à revelia do marco legal de atenção à primeira infância que dispõe sobre o melhor interesse da criança. Das 42.355 mulheres presas no Brasil, 74% têm ao menos um filho.
Teve grande repercussão o caso julgado pela ministra do STJ Laurita Vaz, que negou o pedido para que uma lactante, ré primária presa com 8,5 gramas de maconha, respondesse processo em casa. A ré tinha cinco filhos, o mais novo com um mês de idade. Em outro caso, a advogada foi despachar com um desembargador pedido semelhante. A presa estava grávida e, pela má qualidade da comida em um Centro de Detenção Provisória (CDP), se alimentava só de pão há uma semana. “Mas falta mesmo comida?”, perguntou o desembargador.
Já Ana (nome fictício) foi presa por furtar R$ 180, grávida de oito meses. Deu à luz gêmeas prematuras em um CDP. Seu pedido de habeas corpus pleiteando prisão domiciliar foi negado. Havia comprovação de que a prisão não era adequada aos cuidados exigidos pelas bebês. Nasceram com baixo peso, tendo uma delas insuficiência respiratória. O suposto crime foi cometido sem violência. As duas bebês sofrem violência todos os dias.
Data maxima venia: meu Deus, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Esses, e tantos outros casos, são atendidos por defensores públicos ou em mutirões carcerários de advogados voluntários que tentam corrigir tantas injustiças. Neste cenário, tem grande mérito o Mães Livres, parceria do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, com a Defensoria e a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. O projeto prevê atendimento gratuito a 500 gestantes e mães de filhos de até 12 anos de idade, presas provisoriamente na penitenciária de Pirajuí (SP), escolhida por ter alto índice de mulheres presas por drogas ou pequenos furtos, como o de alimentos em supermercados.
Caro leitor, mulheres encarceradas devem entregar seus filhos para familiares ou casas de acolhimento aos seis meses de idade. Vou poupar-lhes das descrições de como acontecem essas separações e do futuro que essas crianças em geral (não) têm em abrigos precários ou em famílias vulneráveis. Mas saiba que o custo financeiro e social de manter na prisão mães que cometeram crimes sem violência e ameaça não se justifica. Lembre-se: todos pagamos essa conta. Sobretudo, nossas crianças.
*Ilona Szabó de Carvalho
Cientista política, é diretora-executiva do Instituto Igarapé. É mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala. Escreve às quartas, a cada duas semanas.