A era dos bots na política brasileira já começou

Motherboard – VICE

Julho, 2017

Eles tiveram papel importante nas eleições de 2014, foram fundamentais para o impeachment e agora, mais sofisticados, decidirão os rumos de 2018.

O ano de 2014 foi um marco na política brasileira. Pela primeira vez, a disputa eleitoral aconteceu em grande parte na internet. É claro que, em 2010, a rede já existia, mas seu papel na tomada de decisão dos eleitores era outro. Naquela época, predominavam os veículos impressos, os portais e o SMS, todos com possibilidades de interação limitadas. Quatro anos depois, o engajamento seria aprimorado: o WhatsApp tomaria o país; o Orkut daria lugar ao Facebook, uma rede social com base e conversações muito maiores, e a sensação de insatisfação, que antes ficava oculta a comentários na internet, se amplificaria em debates online e protestos.

Na época das eleições, enquanto Dilma Rousseff e Aécio Neves se digladiavam em debates, discursos e programas de TV, a força oculta da internet era usada como impulso extra. Um novo fenômeno aparecia na campanha virtual: os robôs programados para replicar conteúdo, os social bots. Ainda que não tenha aparecido no mainstream, o pesquisador Daniel Arnaudo, da Universidade de Washington, nos EUA, e do Instituto Igarapé, no Rio, mostrou, em estudo publicado em junho, que a ferramenta foi fundamental no processo eleitoral e, também, no processo que culminou no impeachment de Dilma. “A propaganda computacional em formas tais como redes de bot, notícias falsas e manipulação algorítmica desempenham papéis fundamentais no sistema político na maior democracia da América Latina”, disse ao Motherboard.

Tal como Guernica foi um “campo de testes” para a Segunda Guerra Mundial, as últimas eleições presidenciais foram o aperitivo para uma campanha que nunca iria parar. Hoje as redes de bots estão mais fortes do que nunca. “Os dados revelaram que a atividade continuou”, explica o pesquisador. “E, ao mesmo tempo, existe uma linha entre a campanha de 2014 e o processo de impeachment. A campanha online nunca acabou. Continua depois da eleição de 2014, só aumentando em 2015 e 2016. As redes têm a prova desse fio entre o processo de impeachment e a campanha.”

O investimento de tempo, dinheiro e esforço nos bots se justifica. A consultoria ComScore estima que o Facebook ocupa 95% do tempo dos brasileiros nas mídias sociais. Espalhar propaganda na rede de Mark Zuckerberg faz todo sentido. E, embora seja uma caixa-preta na maioria das vezes, o Facebook corroborou uma das teses do estudo do Arnaudo este ano. O governo americano descobriu que a propaganda eletrônica patrocinada pela Rússia teve papel importante nas eleições de 2016. Essa afirmação veio diretamente do diretor de inteligência nacional. Segundo ele, as táticas incluíram a distribuição de notícias falsas. O Facebook disse que seus dados internos não contradizem essa afirmação.

Como o Facebook não abre o jogo quanto a seus dados sensíveis, a pesquisa de Arnaudo focou no Twitter, uma rede menos representativa em termos de usuários, mas tão ou mais importante como ponto de partida para todo tipo de discussão. “Todos os nossos dados foram do Twitter porque é uma plataforma, tem um API aberto”, explica. “O Facebook é fechado, impossível fazer esse tipo de pesquisa. A maior parte dessa propaganda, no Brasil, está no Facebook. Twitter é importante para políticos, jornalistas e pessoas com maior educação”, diz, ressaltando que a maior parte das conversas está no Facebook.

De acordo com cientista político entrevistado por Arnaudo no estudo, “o uso de robôs não é algo que simplesmente apareceu, eles já estão funcionando há pelo menos seis anos no Brasil, e agora está se tornando mais comum”. O nome do acadêmico não foi revelado. Ainda assim, outros relatórios confirmam a tese. De acordo com levantamento de 2016 da empresa de cibersegurança Symantec, o Brasil está em oitavo lugar mundial em número de bots.

Como funcionam os robôs

Os robôs eleitorais saíam do armário principalmente durante os debates de 2014. Depois de 15 minutos que o programa havia começado, hashtags relacionadas a Aécio Neves triplicavam. “Esse tipo de aumento anormal é um forte indicador de que robôs estavam sendo usados, especialmente quando hashtags rivais apoiando a presidenta Rousseff não aumentaram numa proporção equivalente”, diz o relatório.

E, de fato, foi possível provar a ligação entre alguns robôs e simpatizantes da campanha de Aécio Neves. A maioria dos retweets feitos pelos bots pró-Aécio tinha como fonte um publicitário que trabalhava para a campanha do tucano nas redes sociais. O PT usou das mesmas táticas, embora em menor escala. E com eficiência menor. Um documento de 2015 da Presidência da República revelou que o partido da então presidenta também possuía seu exército virtual, embora tenha causado menos estrago que a oposição. Segundo o documento, foram gastos R$ 10 milhões para manter a estrutura robótica mobilizada na campanha de 2014 funcionando entre novembro e março.

O esforço antes direcionado a promover o candidato tucano foi transferido para a remoção da presidenta do poder. A pesquisa de Arnaudo sugere que uma parte do alto engajamento obtido por grandes páginas oposicionistas como Revoltados On-Line, que foi removido do Facebook no ano passado por incitar a violência, e Vem Pra Rua, foram herança direta dessa estrutura eletrônica. “Assim como a internet permite que campanhas alcancem pessoas de uma maneira mais pessoal que os partidos e candidatos conseguiam fazer na era das mídias de massa, lideradas por televisão, jornais e rádio, ela também permite que atores políticos continuem a perseguir seus objetivos políticos por meio de propaganda computacional ou tradicional que vão além dos limites convencionais”, escreve.

“Não há filtro da notícia falsa ou não. Em alguns, há essa idéia da conta ciborgue: uma mistura do humano fazendo conteúdo para parecer uma conta humana e assim evitar os algoritmos do Facebook e Twitter.”

A energia criada durante a campanha de 2014 cresceu diretamente de um movimento financiado por doadores que, mais tarde, teriam a capacidade de canalizar esses recursos e colocar novos bots na próxima fase de propaganda. “Essa segunda fase provou que a campanha nunca parou realmente online depois que a eleição acabou. Na realidade, a oposição ao partido que estava no poder e a seu governo estava apenas começando.”

O WhatsApp é um dos maiores desafios quando se fala em propaganda eleitoral. Muitas das entrevistas de Arnaudo para seu artigo foram feitas com consultores políticos. O diagnóstico é de que as campanhas estão usando essas redes para conectar com grupos privados a fim de enviar artigos falsos, informações sobre um candidato contra outro candidato. “Ao mesmo tempo, estão usando esses sistemas de jeitos completamente ilegais, em geral usando para pegar artigos da mídia e fazendo esse tipo de rede de robô”, diz. Como? Conectando em grupos devagar, infiltrando grupos de amigos, parceiros, colegas, que são grupos fechados. Conectando essas contas com sistemas centrais dos políticos e das campanhas. E criando onda de informações. “Esse é um desafio para a lei eleitoral”, afirma o pesquisador. “Há a ideia de que tem que ter pessoas naturais fazendo esse tipo de propaganda, mas é bem difícil provar, achar contas ilegais. É um grande problema nesse sentido.”

A evolução para o “bot ciborgue”

A pesquisa de Arnaudo se estendeu até o começo de 2017. Ele teve oportunidade de capturar dados sobre grandes eventos de rede, como a greve geral de abril o Dia do Trabalhador, em maio. Nesses estudos específicos, pôde olhar de perto o funcionamento dos bots. Havia, diz, contas automatizadas nos dois lados. “Acho interessante os métodos deles, são bem diferentes. Alguns foram dando retweets, pegando conteúdo dos sites e fazendo tweets baseados nos títulos [das matérias]. Outros foram fazendo retweets de outros robôs; uma rede fazendo sinais com números para outros robôs pegarem conteúdo, como um grupo coordenado de ações. O mais importante é usar esses sistemas como um grupo maior. Esse é o poder.”

Além daqueles que apenas dão RT sem pensar (espalhando notícias falsas muitas vezes), o pesquisador descreve um tipo de robô mais sofisticado que apelidou de “ciborgue”. “Existem robôs inteligentes, com algoritmos inteligentes que acham conteúdo, criam conteúdo mais ou menos inteligente, informações sobre o assuntos. Outros pegam uma hashtag qualquer, um pedaço de conteúdo e não importa para o robô se é verdade ou não. É só uma coisa que tem uma conexão, uma bandeira, um número, uma hashtag que o robô gosta. Muitos não têm muita censura. Foram criados apenas para gerar e distribuir conteúdo. Em geral, não tem muito filtro da notícia falsa ou não. Em alguns, há essa idéia da conta ciborgue, uma mistura do humano fazendo conteúdo para parecer uma conta humana, de verdade, para evitar os algoritmos do Facebook e Twitter. Mas também para criar conteúdo mais inteligente, para conectar com uma conta grande para receber retweets, criar um conteúdo mais sofisticado.”

Será que, se o PT não tivesse “desligado” seus robôs depois da campanha, o impeachment não teria acontecido? Daniel Arnaudo, obviamente, não arrisca fazer este exercício de futurologia. Mas opina: “Na minha perspectiva, as redes de esquerda foram mais fracas durante esse período [da eleição]”. “E nas manifestações [pró-impeachment] também. Tem uma conexão entre a habilidade das pessoas conversarem e se conectarem online, criar discurso na internet, para aplicar esse discurso na rua. A esquerda não se organizou da mesma forma.”

O cenário para o futuro é bastante assustador. A perspectiva é de que esse expediente passe a ser cada vez mais comum. As campanhas do futuro terão grande presença de robôs nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. “Para combater o mau uso da tecnologia, é preciso criar penas maiores para criar medo de usar esses sistemas”, diz Arnaudo. “O problema é provar a coordenação entre os bots e as campanhas; provar que redes grandes estão falando do mesmo assunto. Essa é a maior ameaça à democracia. Usar esse grupo maior [de bots] como propaganda na rede. É bem difícil achar essa conexões. Esse é um problema para o futuro. Algum robô se pode achar. Mas o problema maior é criar sistemas para enfrentar essas botnets, as redes dos robôs. As contas que achei são só alguns exemplos, mas podem servir para outros continuarem essa pesquisa no futuro.”

Mesmo que haja pouco a se fazer na prática, Arnaudo crê que falar do assunto e explicar à população o que está acontecendo é um bom primeiro passo. “A coisa mais importante é criar uma conversa. Estamos só no início do problema. Essa é só a primeira fase de campanha moderna. Isso vai continuar. Vai melhorar ou piorar.” Pelo andar da carruagem robótico-eleitoral, afirma o pesquisador, a coisa vai piorar bastante antes de melhorar. Não à toa, Daniel Arnaudo pretende complementar seu estudo analisando as eleições de 2018 no Brasil, aquela que poderá, segundo ele, ser inflamada mais por bots de todos os lados.

 

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