As vantagens e as limitações das câmeras nas fardas dos policiais

14 de julho de 2016

A crescente violência policial converteu-se num dos grandes desafios para o Brasil. Além de provocar um impacto direto no cotidiano da sociedade, o tema tem preocupado autoridades e organizações da sociedade civil.

Foram mais de 3.022 mortes por policiais em 2014, 37% a mais que no ano anterior, segundo um estudo da Human Rights Watch intitulado “Good Cops are Afraid” (“bons policiais estão com medo”, em tradução livre).

A ONG propôs também algumas medidas a serem tomadas para diminuir esse número. Entre elas está a adoção de câmeras na farda dos profissionais que vão para a rua.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro implementou, em junho de 2016, um programa piloto nesse sentido. Batizado de Policiamento Inteligente, o projeto é realizado em parceria com o Instituto Igarapé e a Jigsaw, incubadora de tecnologia criada pelo Google.

O dispositivo permite que sejam feitas gravações a partir de um aplicativo de smarthphones chamado CopCast. Colocados num bolso da farda dos policiais, os telefones gravam e armazenam vídeos e áudios, junto com as coordenadas geográficas dos policiais durante a patrulha.

O material pode ser transmitido por streaming em áreas nas quais haja algum tipo de conexão por internet – dessa forma, comandantes fazem um monitoramento da equipe em tempo real. Os policiais podem interromper a gravação para proteger a própria privacidade ou a de outras pessoas, mas devem dar uma justificativa para tanto.

A adesão ainda é bastante restrita – foram 60 policiais envolvidos no piloto, distribuídos em quatro bairros de baixa renda do Rio. A Human Rights Watch recomenda que ela seja implementada rapidamente em todo o Estado.

Enquanto está em sua fase inicial no Rio, a ideia é debatida em outros países que usam o recurso já há algum tempo.

A estratégia

Câmeras já são usadas em operações policiais há algum tempo, tanto no Brasil como no exterior. Geralmente, são carregadas pelos profissionais em manifestações, ou colocadas estrategicamente em viaturas.

O uso desses aparatos no próprio corpo do policial, no entanto, é um recurso mais recente, que teve bons resultados, mas também apresentou alguns problemas em relação a perspectiva da imagem produzida, que por vezes, pode gerar uma impressão errada do que de fato aconteceu.

Segundo o relatório da Human Rights Watch, 25% dos policiais usam as “body cameras” nos Estados Unidos. Um estudo conduzido durante um ano inteiro na Califórnia mostrou que, em turnos nos quais os policiais usavam as câmeras, o uso de violência caiu pela metade.

O Reino Unido pretende equipar 22 mil profissionais com o equipamento até o fim de 2016. Na cidade britânica Portsmouth, o número de crimes caiu após a adoção da ferramenta.

Pontos positivos para as ‘body cameras’


Reduzir a impunidade para abusos policiais

O vídeo e áudio gravados antes, durante ou depois de tiroteios pode fornecer a policiais investigadores e promotores um material valioso para determinar se o uso da força foi excessivo e desnecessário.

Proteger policiais de falsas acusações

No caso de incidentes justificáveis, as imagens são uma ferramenta importante para proteger os policias de falsas acusações.

Os problemas

Uma reportagem publicada em abril pelo “New York Times” pôs em xeque o uso irrestrito da ferramenta, mostrando algumas de suas limitações. “O que essas câmeras de fato revelam?”, questionou o jornal.

A matéria mostra uma experiência realizada pelo professor de direito da University of South Carolina, Seth W. Stoughton, na qual o professor simula situações de abordagem de policiais a um suspeito.

Resultado da interação entre os dois, as imagens produzidas pela “body camera”, postas na altura do peito do policial, são tremidas e pouco claras. Nelas, o profissional no geral aparenta estar em situações de alto risco, sendo atacado pelos suspeitos. Outros vídeos, feitos de outra perspectiva, porém, mostram as limitações das gravações.

Os primeiros vídeos, diz o artigo, refletem o que o professor Stoughton chama de “intensidade enganosa”. “Nesse caso, a ‘luta’ parece ser bem mais envolvente do que é de fato, porque a câmera está posta no peito do policial, produzindo um efeito convulsivo, que exagera o que de fato está acontecendo. Mesmo se ela estivesse nos óculos ou chapéu do policial, a gravação feita nesta distância tão próxima seria confusa – uma prova de que a perspectiva importa.”

As “body cameras” priorizam sempre, ressalta o professor, o ponto de vista do policial. Além disso, o que vemos nessas imagens tende a ser interpretado como aquilo que já acreditamos.

Para Stoughton, “ao passo que esses vídeos se tornam mais comuns em cortes tanto para refutar, como para reforçar depoimentos de policiais, as pessoas devem ter mais cuidado na interpretação das gravações, levando sempre em consideração os limites da câmera e o viés dos espectadores.”

“As pessoas estão esperando mais das ‘body cameras’ do que a tecnologia pode dar. Elas esperam que seja uma solução ampla para os problemas da relação entre policiais e comunidade quando, na verdade, são apenas uma ferramenta e, como qualquer ferramenta, têm um valor limitado sobre o que podem fazer.”

Seth W. Stoughton – Professor de direito da University of South Carolina , ao “NYT”

Para evitar que o uso de câmeras tenha efeitos indesejáveis, a Human Rights Watch recomenda medidas importantes na adoção da estratégia.

A organização destaca a importância da implementação de protocolos e procedimentos que promovam transparência e a garantia da proteção e  da privacidade das pessoas –  em particular em casos em que policiais invadem casas, ou naqueles que envolvem crianças e vítimas de estupro.

Ao mesmo tempo, é necessário certificar que policiais não usem o pretexto de proteção da privacidade para deixar de registrar suas atividades.

Nexo

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