Armas sob controle
Incentivar que mais civis se armem não irá melhorar a segurança pública
Por Ilona Szabó
Publicado na Folha de S.Paulo
Armamento é assunto sério, de vida ou morte, e precisa ser discutido com responsabilidade e sem ideologia. Só assim teremos condições de avaliar os reais impactos das propostas que começam a ser apresentadas pelo novo governo. Ironia do destino chegarmos ao momento de mais riscos de retrocessos na lei de controle de armas de 2003 justamente quando temos uma boa notícia para comemorar. Após um longo período de aumento no número de mortes violentas, estima-se que em 2018 houve queda de 12% desses registros.
Todos queremos viver em um país seguro. Isso passa também por evitar que armas caiam nas mãos erradas e por apoiar os bons policiais, dando-lhes melhores condições de trabalho, equipamentos e treinamento de ponta. Como já falei antes, não sou contra a posse de armas por quem cumpre os requisitos e a pequenos ajustes na lei de 2003. A definição de critérios para comprovar a chamada efetiva necessidade e, assim, poder ter uma arma em casa, é exemplo disso.
Mas não podemos abrir mão de discutir quais são os riscos para pais e mães que fazem essa opção, os impactos sobre a violência doméstica, e as reais chances de o cidadão, ao ser assaltado, ser bem sucedido em uma legítima defesa e não ter sua arma roubada. Tampouco podemos deixar de exigir um bom controle de armas por parte dos governos estaduais e federal. Armas têm vida longa. Por isso, a necessidade de renovação do registro é tão importante e não pode ser extinta. O prazo, que hoje é de cinco anos, foi modificado para dez anos pelo decreto presidencial, e isso preocupa.
Vale lembrar que as armas nascem legais, e que armas legais alimentam o mercado ilegal. Já temos muitas brechas na lei atual e em sua fiscalização, o que permite desvios e condutas ilícitas que ajudam a armar criminosos, organizados ou não. Precisamos, então, exigir a implementação das medidas que realmente nos trarão a paz que buscamos. Por isso, já adianto: a discussão sobre ampliar posse e porte de armas é uma distração. Incentivar que mais civis se armem não irá melhorar a segurança pública.
O que devemos cobrar do novo governo é que evite que armas continuem chegando nas mãos dos criminosos. Isso só é possível com um plano para garantir uma regulação responsável. Há muitas perguntas a serem respondidas pelas autoridades eleitas. O que farão para melhorar os sistemas de controle de armas da Polícia Federal e do Exército (Sinarm e Sigma)? Como eles serão integrados? Quando começarão a exigir das empresas nacionais e internacionais que a marcação das armas e munições vendidas no Brasil seja feita com tecnologia de ponta? Essas medidas permitirão às polícias chegarem aos culpados de crimes e ao ponto exato dos desvios, seja de forças de segurança oficiais, de empresas de segurança privada ou de cidadãos que descumprem a lei.
Em vez de desmantelar a lei de armas, o novo governo deve se esforçar para aplicar a legislação existente. O novo ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sergio Moro, tem um amplo mandato para reduzir a corrupção, o crime organizado e a violência letal. Há razões para acreditar que uma boa implementação da lei de armas pode ajudá-lo a atingir as metas de segurança pública que tanto desejamos. Por outro lado, expandir o acesso e a disponibilidade de armas de fogo no país mais homicida do mundo e relaxar ainda mais os fracos controles existentes equivale a jogar mais lenha na fogueira.