Refugiados brasileiros

A violência força muitos a se deslocarem no país

Publicado originalmente em O Globo
POR MAIARA FOLLY / ROBERT MUGGAH

O deslocamento forçado é um sintoma de instabilidade global. Hoje, há pelo menos 22,5 milhões de refugiados e mais de 40 milhões de deslocados internos. Estes são os maiores números registrados desde a Segunda Guerra. Em geral, essas pessoas estão fugindo de conflitos armados, de violações sistemáticas de direitos humanos e dos efeitos das mudanças climáticas.

O Brasil não está imune à crise global de deslocamento forçado. Além de ser destino para um número crescente de solicitantes de refúgio, a cada minuto um brasileiro é forçado a deixar o seu lar em função de desastres naturais e projetos de desenvolvimento. Uma pesquisa inédita, conduzida pelo Instituto Igarapé, aponta que pelo menos 7,7 milhões de brasileiros foram deslocados por essas duas razões.

O país enfrenta uma incidência de desastres naturais mais alta do que se imagina. Entre 2000 e 2017, mais de 6,4 milhões de pessoas foram deslocadas em função de inundações, tempestades e demais tipos de desastres: uma média de 357 mil por ano. Além dos custos humanos — mais de cem mil brasileiros perderam a vida em decorrência de desastres naturais desde 2000 —, esses eventos geram um custo mensal de R$ 800 milhões.

Outra importante causa da migração forçada no Brasil são os projetos de desenvolvimento, que deslocaram pelo menos 1,2 milhão nos últimos 18 anos. Desde 2000, a construção de cerca de 80 barragens deslocou aproximadamente 210 mil pessoas, enquanto que as obras relacionadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas forçaram outras 47 mil a abandonarem suas casas. Dada a dificuldade de obter informação sobre os impactos negativos de projetos, essas estatísticas podem ser apenas a ponta do iceberg.

A violência é outro fator que força muitos a se deslocarem. Em 2016, o Brasil registrou mais de 61 mil homicídios, uma média de sete assassinatos por hora. Embora haja evidências crescentes de que famílias inteiras são rotineiramente expulsas de suas moradias devido à atuação de gangues e milícias, não existem mecanismos de registro dessa dinâmica. Muitos dos que são forçados a fugir obedecem à “lei do silêncio”, temendo retaliações. Por causa disso, pouco se sabe sobre a quantidade de pessoas obrigadas a se mudar devido à violência.

Apesar da enorme escala do deslocamento interno, o Brasil ainda não foi capaz de formular uma resposta efetiva ao problema. Até o momento, não existe um órgão público dedicado ao monitoramento da migração forçada e, menos ainda, políticas públicas que forneçam proteção e compensações justas aos deslocados.

É urgente que o Brasil estabeleça uma resposta abrangente à sua crise de deslocamento forçado. No mínimo, deve ser aprovada uma lei federal que estabeleça os direitos de pessoas deslocadas por diferentes causas. As políticas públicas formuladas precisam atribuir responsabilidades específicas e uma divisão de tarefas clara entre diferentes ministérios e demais órgãos governamentais. Há pelo menos 7,7 milhões de razões para que a inação não seja uma opção.

Maiara Folly é pesquisadora do Instituto Igarapé, e Robert Muggah é cofundador da instituição

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