A internet brasileira sob ameaça
Nova publicação do Igarapé faz análise extensiva sobre o Marco Civil da Internet, possíveis revisões da legislação e planos de expansão da rede de infraestrutura
Abril, 2017
Há três anos, a serem completados no próximo dia 23, a aprovação da lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, representou um avanço democrático para os brasileiros. A legislação alçou o Brasil à condição de um dos maiores países a tratar igualitariamente as informações que trafegam na rede, sem distinções políticas ou econômicas. A governança em âmbito nacional da rede que é hoje a maior fonte de informação, entretenimento e serviços do mundo é tema da nova publicação do Instituto Igarapé, O Brasil e o Marco Civil da Internet: o estado da governança digital.
A pesquisa será apresentada nesta quinta, 20 de abril, às 10h, na nova sede do Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro (Rua Miranda Valverde, 64, Botafogo). A exposição será seguida de debate com o professor Maurício Santoro, autor de artigos sobre o assunto como o recente Brazilian Foreign Policy Towards Internet Governance.
Por meio de entrevistas e pesquisas a dados primários e secundários, a publicação traça um histórico compreensivo do processo de elaboração, votação e regulamentação da lei, e uma análise da perspectiva de consolidação ou recuo na governança do ambiente digital no Brasil.
Projeto ameaçado
“É fundamental dar visibilidade a esse assunto, que afeta mais de 100 milhões de brasileiros conectados à internet – isso em um cenário de expansão do número de usuários e da infraestrutura nacional em direção à África, Estados Unidos, Europa, e até locais remotos, por meio do primeiro satélite inteiramente controlado por instituições brasileiras”, avalia Daniel Arnaudo, pesquisador do Instituto de Política Internacional da Universidade de Washington e autor convidado do Igarapé.
A “Constituição da internet” brasileira é alvo de projetos de lei e emendas que, alegando a necessidade de uma suposta maior facilidade em investigações criminais, põem em risco direitos como o da privacidade e o de liberdade de expressão, princípios basilares do Marco Civil. “Há uma grave separação entre os objetivos de direitos civis, liberdade de expressão e privacidade do Marco Civil e os objetivos mais tradicionais de controle da ordem social que têm avançado no Congresso”, continua o autor.
A lei define procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, que podem ser solicitados pela polícia em casos de crimes cibernéticos. No entanto, uma excessiva judicialização já vem acontecendo desde 2015, quando, por três vezes em curto intervalo de tempo, juízes prejudicaram milhões de usuários do serviço WhatsApp e até prenderam um executivo porque a empresa, controlada pelo Facebook, teria se recusado a fornecer dados privados de um usuário.
A pesquisa traz ainda um quadro preciso da segurança cibernética no Brasil: em 15 anos, o número de ataques reportados aumentou em mais de 300 vezes. A reação do governo foi tratar o tema como assunto militar, com a criação de um núcleo para tratar do assunto dentro do Ministério da Defesa. No entanto, há questões a serem debatidas sobre as regras e o limites de sistemas de vigilância cibernética sobre a população. Esse assunto ganhou destaque na organização de manifestações durante a realização dos megaeventos internacionais no Brasil.
“Outros direitos garantidos pela legislação atual também estão ameaçados – e até o próprio objetivo de acesso universal. Resta saber o que ficará para a próxima geração desse marco democrático para o Brasil: da privacidade à segurança, da neutralidade da rede à liberdade de expressão. Hoje, tudo, inclusive a formação de ideias, passa pela internet, e a legislação determinará de que modo isso acontecerá”, resume Arnaudo.