O Brasil – e o Rio em especial – precisa proteger e valorizar o policial
O enorme número de policiais mortos no Estado do Rio de Janeiro parece não comover a sociedade. É verdade que a normalização dos homicídios é generalizada, mas assusta especialmente a indiferença com que as pessoas assistem à inaceitável quantidade de mortes dos profissionais que arriscam suas vidas para protegê-las. Foram 142 no ano passado, o maior número desde 2004, quando 191 oficiais foram mortos; já são 17 apenas este ano – sem mencionar os feridos.
A polícia do Rio é, também, historicamente violenta. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), ela foi responsável pela morte, em 2003, de 1.195 civis no estado, a maioria deles jovens homens negros. Em 2007, foram registrados 1.330 casos de morte pelo chamado auto de resistência. O número caiu drasticamente nos últimos anos – 416, em 2013 -, mas voltou a subir. A explicação para isso passa, entre outros motivos, pela formação precária e pelo alto grau de estresse da tropa.
Diariamente, policiais se submetem a uma rotina de estresse extremo. São muitos os fatores: escalas desumanas de 24 por 72 horas e os chamados “bicos” para complementar a renda durante o período de folga; uma imprevisibilidade decorrente da falta de protocolos e treinamentos continuados para o uso progressivo da força; e um ambiente com muitas armas, leves e pesadas, como mostra recente levantamento do número de fuzis apreendidos realizado pelo ISP.
Embora elevado, o número de licenças concedidas à corporação no último ano por questões de saúde mental não é capaz de retratar a totalidade dos casos. Pesquisas recentes mostram que policias vivenciaram altos níveis de violência na infância e mostram sinais de depressão na fase adulta. Em uma instituição que treina o policial para ser um super-homem, a questão ainda é um grande tabu.
Além de mudar essa mentalidade, é preciso priorizar iniciativas que tenham foco em prevenção. O monitoramento e o apoio a policiais que efetuam um número de disparos maior que a média, por exemplo, é um possível indicador do grau de estresse a que ele está submetido. O atendimento psicológico nesses casos é fundamental para sua própria proteção – e de todos. Sob pressão, é mais difícil tomar as decisões certas.
Uma novidade muito bem-vinda anunciada pela PM é o reforço do treinamento continuado em técnicas padronizadas do uso da força. Com regras claras sobre procedimentos para cada caso, o risco diminui consideravelmente. Além dos países desenvolvidos, polícias de países da América Latina realizam treinamentos semelhantes.
Para além de um treinamento padronizado, formações setorizadas também ajudariam a diminuir o nível de estresse e o número de mortes. A especialização em unidades mais militarizadas, reservando ao restante do contingente da tropa um treinamento mais cidadão para atender a criminalidade não violenta, pode contribuir para o reconhecimento do trabalho policial e a elevação de sua autoestima.
Outra frente para valorização do policial deve ser o enrijecimento da pena para casos de homicídios. Nos EUA e no Reino Unido, matar um policial é um crime grave. As investigações são cuidadosas e há vários agravantes da pena em comparação com outros tipos de homicídios. Faz sentido. O risco do trabalho dele é imenso.
O Brasil – e o Rio de Janeiro em especial – precisa proteger e valorizar o policial. Romper o ciclo da violência passa necessariamente por cuidar melhor daqueles que têm como mandato nos defender.
Por Ilona Szabó de Carvalho
Artigo de Opinião publicado em 31 de Janeiro de 2017
O Globo