STF começa nesta quinta a decidir sobre descriminalização do porte de drogas
Agosto, 2015
Para ministro, tribunal também pode tornar mais objetivos os critérios para distinguir usuário de traficante
BRASÍLIA E RIO – Pode haver uma quantidade de droga que diferencie o usuário do traficante? Países como Colômbia, Holanda e México têm diversos limites tolerados por lei para o porte de maconha, por exemplo. Esta poderá ser uma das questões em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de hoje, durante o julgamento que definirá se portar drogas para consumo pessoal no Brasil continuará sendo crime. Especialistas no assunto pedem, também, critérios objetivos para separar o consumidor do vendedor de drogas. Na opinião do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, estabelecer um limite quantitativo para o porte pode dar objetividade à forma de lidar com uma pessoa flagrada com drogas, mas ele acha que esse não deve ser o único critério para distinguir traficante de usuário.
— Acho que uma eventual determinação de quantidade servirá para excluir o tráfico. Mas a quantidade, por si só, não deve ser o critério definitivo.
A Lei de Tóxicos, de 2006, já faz distinção entre consumidor e comerciante de drogas. Segundo o artigo 28, “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Mas, segundo estudiosos do tema, esses critérios são vagos, dão margem a subjetividade. De acordo com Barroso, o tribunal tem poderes para definir critérios mais objetivos para, assim, orientar o juiz ou a autoridade policial na classificação de usuário e de traficante:
— Há uma questão importante debatida no mundo todo sobre a descriminalização especificamente do consumo de maconha, se isso invadiria ou não um espaço próprio da privacidade e da autonomia da pessoa. E há uma segunda questão, caso esta passe, estou falando em tese, que é a de definir critérios para distinguir o que seja consumo do que seja tráfico — diz o ministro.
JULGAMENTO NÃO DEVE TERMINAR HOJE
A expectativa é de que o julgamento não termine hoje, porque deve haver pedido de vista de um dos integrantes do Supremo. O ministro Marco Aurélio Mello afirma que o julgamento não deve determinar os fatores que definem o consumidor e o traficante.
— Não dá para nós definirmos neste julgamento quem é usuário e quem é traficante. Isso tem que ficar a critério do juiz, processo a processo. O juiz deve ouvir as testemunhas, perceber os elementos coligidos pelo Ministério Público em termos de culpa e, então, definir caso a caso quem é usuário e quem é traficante. Não podemos dizer que quem porta pequena quantidade de drogas é simplesmente usuário — comenta o ministro, acrescentando que o uso de droga deve ser encarado como um problema de saúde, em vez de penal.
No Brasil, usar drogas não é crime, mas portar, sim — mesmo que seja pouca quantidade, para consumo próprio. O tribunal vai analisar um processo em que uma pessoa flagrada com 3g de maconha contesta a constitucionalidade dessa lei. Para a defesa, impedir alguém de portar droga para o uso próprio fere a intimidade e a liberdade individual, valores que estão expressos na Constituição Federal. Se o réu ganhar a causa, a mesma decisão será aplicada em processos semelhantes.
Barroso ressaltou a importância do julgamento na definição da política de drogas. Na avaliação do ministro, países de primeiro mundo estão mais preocupados com o usuário. Ele também salientou o alto índice de encarceramento de pessoas flagradas com drogas para uso pessoal, mas que não representam perigo à sociedade.
— Não é um debate juridicamente fácil nem moralmente barato, mas precisa ser feito —concluiu Barroso.
A atual Lei de Drogas considera crime “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”. Mas a lei não prevê a prisão de condenados pelo simples porte. As penas listadas são advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a curso educativo. Eventual condenação pelo crime também tira da pessoa a condição de réu primário.
O diferenciação entre usuários e traficantes foi tema de nota técnica elaborada por especialistas das áreas médica, jurídica e criminal em ação coordenada pelo pelo Igarapé, instituto dedicado às agendas de segurança e desenvolvimento. No documento, divulgado no início desta semana, eles sugerem quantidades de maconha (de 25g a 100g), cocaína e crack (de 10g a 15g para ambas) que distinguiriam o porte para uso de tráfico, citando estudos científicos e experiências internacionais.
“CLIMA FAVORÁVEL”, DIZ PROCURADOR
Mas a pesquisadora Ana Paula Pellegrino, do Igarapé, afirma que a proposta não é mesmo tornar a quantidade um critério exclusivo para a distinção:
— A legislação traz oito critérios para serem considerados pelo aplicador da lei, entre eles, a quantidade. A nossa sugestão é tornar a aplicação da legislação mais segura — diz Ana Paula, para quem as declarações dos ministros indicam que eles podem votar pela inconstitucionalidade do artigo 28, que prevê punições para o porte de drogas para uso próprio. — Há pessoas presas que poderiam estar do lado de fora, sendo tratadas por outras políticas de Estado. Sinto que o clima é de reconhecimento dessa situação. Os ministros dão sinais de que o Brasil está pronto para corrigir rumos.
Defensor público e signatário do documento, Rodrigo Pacheco faz coro:
— Acredito que as duas declarações renovam a percepção de que o clima é favorável à declaração de inconstitucionalidade. Mas temo que, se isso ocorrer sem a fixação de uma quantidade, haja um retrocesso — pondera, reafirmando que o estabelecimento de uma quantidade mínima serviria de referência para autoridades. — Os juízes não estariam obrigados a considerar automaticamente a quantidade, mas o parâmetro poderia ser usado em todo o Brasil. Se a quantia não for fixada, haverá decisões contraditórias e atuações policiais contraditórias.
por Carolina Brígido e Dandara Tinoco