Osmar Terra e o retrocesso na política de drogas

13/06/2016

Embora não ocupe uma posição de liderança no debate sobre a política de drogas brasileira, o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS) do governo interino, Osmar Terra (PMDB-RS), já usa o poder do cargo para impor suas convicções a respeito do tema.

Crítico contumaz da descriminalização do consumo de drogas, o médico, que estava no quinto mandato como deputado federal pelo Rio Grande do Sul, é autor de um projeto de lei que prevê aumento da pena para tráfico e internação compulsória de dependentes químicos.

A primeira intervenção de Osmar Terra ocorreu na semana passada e afetou diretamente o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). Com o argumento de que o órgão estaria dominado por um pensamento ideológico pró-legalização, Terra determinou a substituição do representante da pasta no conselho, Rodrigo Delgado. Junto à decisão veio a exoneração do sociólogo do cargo de analista de políticas sociais do MDS.

“Nunca me manifestei nesse sentido [em defesa da legalização]. Mas eu tenho uma posição de que nós precisamos descriminalizar o usuário”, disse Delgado, servidor concursado que ingressou no MDS em 2013 e, no Conad, em 2014.

Foi a atuação do sociólogo na última reunião do conselho, realizada em 31 de maio, que chamou a atenção de Osmar Terra. “Fui informado de que ministro estava muito chateado com o fato de eu ter feito falas no Conad sobre a legalização de entorpecentes e contra as comunidades terapêuticas. De pronto afirmei que não era nada daquilo.”

Delgado fez três apontamentos durante a reunião do conselho: primeiro, elogiou documento apresentado pelo Conad na sessão especial sobre drogas da Assembleia Geral da ONU (Ungass 2016), que propôs maior atenção no cuidado aos usuários, com foco nos direitos humanos; depois, ressaltou a importância de uma política de drogas integrada, que articule ações de educação, saúde, moradia, trabalho e assistência social, conforme previsto no Plano Plurianual (PPA 2016-2019) da União, documento que ele próprio ajudou a elaborar; e, por fim, defendeu que o Conad fiscalize o uso dos recursos do Fundo Nacional de Drogas (Funad), que, entre outras coisas, financia vagas de acolhimento em comunidades terapêuticas.

Questionado, o MDS informou que todos os representantes do ministério nos conselhos serão substituídos e que a nomeação dos novos conselheiros será feita “conforme a política da pasta”.

Delgado pediu uma reunião com o ministro, mas foi recebido pelo secretário-executivo do MDS, Alberto Beltrame, que negou que a exoneração tenha sido motivada pela atuação no Conad. “Disseram que é um processo de mudança administrativa. Mas eles não fazem ideia de qual é o meu trabalho, não sabem nem quem eu sou e desconhecem minha avaliação”, criticou o sociólogo.

Para Gabriel Elias, coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) – rede formada por 34 instituições, grupos e coletivos –, a decisão de Osmar Terra é “antidemocrática e persecutória”.

“Além disso, é muito grave o posicionamento do agora ministro Osmar Terra, que revela um pensamento retrógrado e conservador em política de drogas, avesso a todas as evidências científicas e tendências internacionais”, afirmou Elias a respeito das declarações de Terra ao jornal O Globo.

Em reportagem publicada no dia 7, o ministro disse que a legalização das drogas resultará no aumento do consumo, o que elevará o número de pessoas doentes e também a pobreza. Para Terra, a saída é endurecer a política de guerra às drogas. “Tem que ter algum tipo de punição, senão [o usuário] vai consumir mais”, disse.

A política pública brasileira sobre entorpecentes é comandada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), que, assim como o Conad, está subordinada ao Ministério da Justiça. Para Ilona Szabó de Carvalho, diretora-executiva e coordenadora do programa de políticas sobre drogas do Instituto Igarapé – instituição dedicada às agendas de segurança pública e consolidação da paz –, cabe à pasta da Justiça barrar a intromissão de Osmar Terra no tema.

“Enquanto sociedade civil, nós não vamos permitir que ele use o cargo em outro ministério para interferir na política de drogas dessa maneira. Esperamos que o Ministério da Justiça freie essa intervenção do ministro Osmar Terra. A gente já sabe que ele é o bastião do conservadorismo e, neste tema, é bastante equivocado”, afirma Carvalho.

Outra questão que preocupa é a possível nomeação de Roberto Allegretti, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, para o comando da Senad. A indicação de Allegretti, que não possui histórico de trabalho em política de drogas, partiu do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, mas ainda não foi confirmada pelo governo interino.

Pequenos traficantes

Apesar das ações que revelam um perspectiva militar da política de entorpecentes, Moraes surpreendeu ao defender, na última semana, penas alternativas aos pequenos traficantes que não têm antecedentes, não integram organizações criminosas e geralmente vendem drogas para bancar o próprio vício – o chamado tráfico privilegiado.

Em 2011, a mesma opinião custou a exoneração de Pedro Abramovay, então secretário nacional de Justiça do governo Dilma Rousseff. Ele assumiria o comando da Senad, mas deixou o cargo depois de defender penas mais brandas a pequenos traficantes, o que teria irritado o então ministro José Eduardo Cardozo.

Assim como a descriminalização do porte e consumo de drogas, a decisão a respeito do tráfico privilegiado está sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tem liderado os debates mais importantes da política de drogas brasileira.

A partir dessa crítica à fraca atuação do Executivo, Ilona Szabó de Carvalho afirma que o Brasil precisa sair da posição de “lanterna” que ocupa em pelo menos quatro temas nos quais as Américas já avançaram: regulamentação da maconha medicinal; descriminalização do consumo; critérios objetivos que diferenciem usuário e traficante; e tratamento a pequenos traficantes.

“Os Estados Unidos estão desmontando o aparato de guerra às drogas e fazendo uma reforma no sistema de justiça criminal; no Canadá, a Corte Suprema acaba de abolir a pena para pequeno traficante; a Colômbia já fez uma série de mudanças, tanto em relação à descriminalização quanto à maconha medicinal; o México acaba de ajustar o critério objetivo de distinção entre usuário e traficante; o Chile está na primeira colheita de maconha medicinal; o Uruguai regulou a maconha para fins recreativos e o cultivo. E nós estamos aqui discutindo se o usuário é criminoso”, lamenta.

O Brasil despenalizou o porte de drogas para consumo próprio em 2006, mas tem um critério subjetivo para distinguir traficantes de usuários. O resultado foi uma explosão do número de prisões, contribuindo para o País ter a quarta maior população carcerária do mundo. Como mostrou CartaCapital no ano passado, se houvesse na legislação brasileira um critério objetivo para separar traficantes de usuários como o da Espanha, 69% dos presos por tráfico não precisariam estar presos.

Para Gabriel Elias, embora o governo não tenha conseguido pautar, internamente, uma política de drogas progressista, o Brasil tem sido peça importante no cenário internacional ao defender mudanças nas diretrizes das políticas de entorpecentes.

“O Brasil foi um dos poucos países a defender posicionamentos mais progressistas na Assembleia Geral da ONU sobre drogas, que aconteceu em abril deste ano em Nova York. O Brasil defendeu, por exemplo, programas de redução de danos e, especialmente, uma visão menos militarista da política de drogas. A América Latina é uma das regiões que mais sofre com a violência da guerra às drogas, e no Brasil há ainda uma perspectiva muito específica, que é a do viés racial. Então o Brasil levantou a importância da questão racial na política de drogas, e isso foi inovador”, disse Elias. “Achar que o aumento da repressão vai resolver o problema é ilusão.”

Carta Capital

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