O que está em jogo no debate do STF sobre porte de drogas

 

Agosto, 2015

 

São Paulo – O julgamento que discutirá se o uso de drogas para o consumo próprio deve ser considerado crime, ou não, será feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira.

Em 2011, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo entrou com um recurso na Corte em defesa do mecânico Francisco Benedito de Souza, detento do Centro de Detenção Provisória de Diadema (SP).

Em 2009, durante inspeção regular em uma cela com 33 presos, três gramas de maconha foram encontradas em um marmitex. Na ocasião, Souza assumiu o flagrante, mas, posteriormente, negou em tribunal. Ele foi condenado a dois meses de serviço comunitário pelo porte da droga.

A decisão foi baseada no artigo 28 da Lei de Drogas, que determina que a pena para o crime de porte de drogas deve ser a prestação de serviços à comunidade ou o comparecimento em programas ou cursos educativos pelo prazo máximo de cinco meses.

Para os defensores que acompanham o caso, a decisão fere os princípios constitucionais da intimidade e privacidade. Eles ainda sustentam que um ato que não prejudique terceiros não poderia ser considerado como crime.

É essa discussão que estará na pauta dos ministros do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira. Se eles concordarem com os argumentos da Defensoria, o Brasil vai se igualar a outros países que já descriminalizaram o porte de drogas ilícitas. Mas este será apenas o primeiro passo.

Hoje, a lei coloca na mão do Judiciário a decisão que determina se o acusado é usuário ou traficante. Para isso, segundo o artigo 28, o juiz deve considerar os antecedentes do acusado, as condições em que ele foi flagrado e “as circunstâncias sociais e pessoais” do indivíduo.

O texto, contudo, não diferencia a quantidade de drogas que uma pessoa pode carregar para ser considerada como usuária ou traficante.

Em nota técnica publicada recentemente, o Instituto Igarapé, especializado em segurança pública, afirma que dadas as limitações da lei, as decisões sobre o tema tendem a ser subjetivas. Logo, para o Instintuto, a lei atual é insuficiente.

Mas o tema está longe de ser um ponto pacífico na opinião pública. Para se ter uma ideia, quase metade da população brasileira se opõe à descriminalização do uso da maconha, segundo sondagem da Hello Research.

Para entender todas as facetas dessa discussão, EXAME.com conversou com três especialistas com diferentes visões sobre o assunto. Confira os argumentos:

“Com a liberação, se perde o fetiche do proibido”

Humberto B. Fabretti, professor de direito penal da Universidade Mackenzie.

“Tornar crime o uso pessoal de drogas é uma ingerência indevida do Estado na vida do sujeito. Se o indivíduo quer usar droga, o Estado não tem absolutamente nada a ver com isso – a escolha deve ser arbitrária.

Veja bem, o álcool é hoje a substância que mais mata e, mesmo assim, o consumimos de maneira totalmente liberada.

Não há dados que apontem que com a liberação há um aumento no consumo. Com a liberação, se perde o fetiche do proibido. A experiência internacional mostra que o consumo tende a cair.

Se pensarmos no ponto de vista jurídico e econômico, quanto mais se proíbe, mais cara a substância se torna e só aumenta o comércio paralelo e o tráfico. Hoje, é muito mais fácil comprar drogas em qualquer esquina do que comprar um remédio com receita controlada, por exemplo.

Criminalizando o usuário, ele será sempre identificado como uma pessoa vinculada à criminalidade e ao desvio de comportamento. Se o direito penal deixa de ser um problema, com certeza o tratamento em uma ocasião como essa se torna mais fácil.

Estigmatizar uma pessoa como criminosa perante a sociedade por conta de um baseado não faz o menor sentido. Essa é uma guerra completamente burra e, infelizmente, acho que o Tribunal ainda é muito conservador e manterá a lei – espero estar enganado”.

“Descriminalizar não vai resolver o problema”

Dimitri Dimoulis, professor de Direito Constitucional da FGV.

“Esse problema deveria ser resolvido pelo poder Legislativo. Há três impasses no artigo 28, são eles: conteúdo genérico e com palavras vazias, não existe registro sobre quais são as drogas e o fato de ela seguir um caminho de penalização.

O legislativo deveria organizar uma política pública para resolver e regular essa lei.

O Supremo Tribunal tem o dever de decidir sobre o caso específico do presidiário, mas descriminalizar também não vai resolver o problema.
A solução deveria ser uma ação conjunta e abrangente entre os dois poderes. É preciso tornar boa uma lei que está ruim”.


“Número de pacientes em consultórios vai triplicar”

Antônio Geraldo da Silva, médico e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

“Nós da ABP e da Federação Nacional dos Médicos somos contra toda e qualquer facilitação de acesso a qualquer substância que gere dependência física e psíquica.

As políticas públicas do Brasil não se comparam com a de países americanos e europeus – não temos atendimento, cultura ou estrutura para controlar esse tipo de situação.

Se for aprovada a descriminalização, eu tenho certeza que o número de pacientes nos consultórios irá triplicar. Só hoje são quase dois milhões de indivíduos dependentes de maconha e mais de um milhão do crack. Como é que você controla o uso de maconha na direção de um veículo, por exemplo?

Além disso, não tenho dúvida de que o consumo e a violência vão aumentar. O ideal é reduzir a possibilidade de acesso e não facilitar. Se você está em um aeroporto e observa no bolso do piloto um maço de maconha, você fica tranquilo para embarcar?

Não podemos aprovar uma ideia como essa e achar que isso é bom e pode ajudar em alguma coisa.

Não podemos pensar apenas ‘nos direitos individuais’ – que direito é esse que pode prejudicar ou matar alguém? As pessoas esquecem que a lei não fala apenas sobre maconha – a liberação também se refere para outras substâncias. O Brasil precisa se ligar no tipo de sociedade que está preparando”.

Exame

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