O mundo está ficando mais frágil: cinco passos para inverter este rumo
Ao menos 560 mil pessoas sofreram mortes violentas em função de guerras e ações terroristas, e 68 milhões foram obrigadas a se refugiar em outros países ou a se deslocar internamente
17/07/2018
por Robert Muggah
Publicado originalmente no World Economic Forum e na Época
Há sinais alarmantes de que o mundo está se tornando cada vez mais volátil e turbulento. O ano de 2016 teve mais conflitos violentos que qualquer período das últimas três décadas – a maioria na África Subsaariana, no Norte da África, no Oriente Médio e no Centro e Sul da Ásia. De acordo com o relatório recém-lançadoStates of Fragility, o crescimento do terrorismo e o aprofundamento da volatilidade geopolítica contribuíram para o aumento desta fragilidade. Ao menos 560 mil pessoas sofreram mortes violentas em função de guerras e ações terroristas, e 68,5 milhões foram obrigadas a se refugiar em outros países ou a se deslocar internamente.
Embora insuficiente, a violência organizada é uma condição necessária da fragilidade. Marcados por um crescente autoritarismo, baixo crescimento, deterioração das instituições e, em muitos casos, por prolongados conflitos de baixa intensidade, Estados e cidades frágeis precisam lidar com a propagação de riscos que são cada vez menos capazes de administrar, absorver e mitigar. Dos 27 países constantemente considerados como cronicamente frágeis pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), 19 não estão em guerra.
Situações de fragilidade não estão uniformemente distribuídas ao redor do mundo. Todos os países e cidades estão suscetíveis. Porém, é acachapante a predominância em Estados, municípios e bairros de renda baixa e média. Dos 27 países considerados mais frágeis, 17 são de renda baixa, 9 são de renda média e apenas 1 é de renda alta. Atualmente, 72% de todas as pessoas em situação de extrema pobreza vivem nestes ambientes. Se persistir a tendência atual, mais de 80% da população mais pobre do mundo viverá em contextos de fragilidade até 2030, tornando a questão um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento dos países e aos esforços internacionais para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Fragilidade é um conceito heterogêneo. A OCDE faz a distinção entre fragilidade política, econômica, ambiental, de segurança e social. Baseando-se nessa visão abrangente, a organização alega que existem 58 contextos de fragilidade, alguns mais extremos do que outros. Alguns países e territórios sofrem com fragilidades persistentes, especialmente a República Centro-Africana, o Sudão do Sul e a Somália. Também de acordo com a OCDE, enquanto alguns países em 2018 conseguiram se livrar desta condição – especialmente Camboja e Lesoto -, outros demonst raram declínios significativos. Estão neste grupo Camarões, República Democrática do Congo, Egito, Líbia, Tajiquistão e Paquistão.
É difícil alterar este paradigma. Ao contrário do que popularmente se acredita, a redução da pobreza e o crescimento econômico não levam necessariamente a um círculo virtuoso de transformação social e desenvolvimento institucional. Muitas vezes, acontece o oposto. Se um rápido crescimento econômico não é acompanhado do aumento da renda, do emprego e da liberdade de expressão, pode ser até prejudicial. Do mesmo modo, o fortalecimento da autoridade e da legitimidade de instituições do governo central também pode ser contraproducente, uma vez que pode resultar, mesmo que involuntariamente, na intensificação de queixas da população. Para não gerar ainda mais violência, o mínimo que se espera é que esforços para promover o desenvolvimento em ambientes frágeis sejam realizados com extrema cautela.
Sair de uma situação de fragilidade exige tempo. Apesar de uma melhora abrupta ser desejável, o Banco Mundial estima que estas situações levam de 20 a 40 anos para serem revertidas. Felizmente, como muitas vezes tende a ocorrer, países e cidades podem sair dessa condição. Dos 75 países considerados frágeis na última década, mais de uma dúzia conseguiu mudar de patamar. Muitos aproveitaram bem a entrada de fluxos financeiros. Em 2016, todos os 58 ambientes considerados frágeis receberam cerca de US$ 68,2 bilhões em ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA, em inglês) vinda do exterior (aproximadamente dois terços de todo o montante destinado), além de US$ 170 bilhões em remessas e investimento estrangeiro direto.
Não existe um único remédio para combater cenários de fragilidade, mas é possível reduzir o número e a intensidade de incidentes. Com isso em mente, dentre uma série de processos, princípios e protocolos oficiais delineados com o objetivo de traçar estratégias para promover a estabilidade e a resiliência, o último relatório do States of Fragility contribuiu com algumas ideias.
O primeiro passo é o desenvolvimento de ferramentas inteligentes para melhor compreender, prever e reagir. Apesar da maior conscientização internacional, persistem lacunas de conhecimento sobre a distribuição e o panorama das situações vivenciadas. Muito pouco se sabe sobre dinâmicas subnacionais e, especialmente, urbanas. Existem poucas informações disponíveis sobre redes, instituições e economias informais que moldam a realidade cotidiana. Sem um aprimoramento do diagnóstico, a cura permanecerá inatingível.
A segunda medida é o aumento dos investimentos na prevenção de conflitos e em esforços de consolidação da paz, principalmente na escala metropolitana. O investimento global na prevenção de conflitos atingiu o ápice em 2010, ano em que o mundo registrou o menor número de conflitos armados em décadas. Apesar disso, os investimentos em ODA despencaram para 2% do total de 2016. É necessário diversificar as fontes de financiamento. Ajudas oficiais continuam sendo fundamentais para estimular o progresso e nutrir resultados. É importante que agências de assistência aceitem aumentar a tolerância ao risco, dada a enorme dificuldade em concretizar resultados em situações de fragilidade.
O terceiro passo é promover apoio específico à governos nacionais e subnacionais para fortalecer a governança inclusiva e aprimorar a qualidade dos serviços. É frequente a tentação de contornar governos fracos e criar serviços de assistência paralelos. Mas autoridades locais, do setor público e privado, precisam assumir o comando do combate às situações de fragilidade. Ao mesmo tempo, a ajuda externa deveria fomentar o poder decisório local, bem como fortalecer a mobilização de recursos domésticos, a execução orçamentária e o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. Seria positivo que a rede de parceiros desenvolvesse mecanismos de prestação de contas mútuos para garantir que todas as partes envolvidas estejam cumprindo os compromissos estabelecidos.
A criação de condições de expansão dos fluxos de remessas para países e cidades em condições de fragilidade é a quarta ação. Foram, pelo menos, US$ 110 bilhões de remessas para 58 contextos de fragilidade em 2016, quase o dobro do valor total de ODA. Desse montante, apenas US$ 10 bilhões foram destinados a 15 ambientes de fragilidade extrema. Muitas vezes, a transferência de remessas para regiões que necessitam de ajuda é impossibilitada por sanções governamentais altamente restritivas, impedimento legal de refugiados acessarem o mercado de trabalho e potencial de renda comparativamente limitado de diásporas nas regiões de origem das remessas.
E, finalmente, é necessário diversificar o investimento estrangeiro direto em ambientes de fragilidade. Atualmente, a maior parte dos investimentos nestes ambientes é destinada à extração de recursos naturais, principalmente petróleo, gás e minérios. Investidores deveriam receber incentivos para variar portfólios e investir em bens de consumo e serviços, o que exige assistência para aprimorar o ambiente regulatório. . De fato, incentivos ao desenvolvimento podem fomentar a catalisação de investimentos estrangeiros e de mecanismos de financiamento.
Situações de fragilidade sempre existirão. O futuro do desenvolvimento sustentável depende de como os Estados frágeis serão tratados pela comunidade internacional. Uma abordagem sistêmica – que envolva uma convergência de riscos climáticos, economias ilícitas e urbanização acelerada – é essencial. Para que sejam efetivas, as ajudas oficiais ao desenvolvimento devem ser mais estratégicas. São necessários esforços para destravar o potencial de remessas e investimento estrangeiro direto. É preciso renovar o compromisso em ações preventivas.
* ROBERT MUGGAH É DIRETOR DE PESQUISA DO INSTITUTO IGARAPÉ.