Dez motivos para mudar a forma como o país lida com as drogas

Julho, 2015

Está na hora de mudar a política de drogas?

São Paulo – Qual a forma mais eficaz de resolver o problema das drogas no país? Essa é uma daquelas típicas perguntas que sempre voltam ao centro das discussões e que tendem a gerar controvérsias.

Para Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé, especializado em em segurança pública, a melhor resposta para a questão é a reformulação das atuais políticas públicas que tratam do problema.

“Nossas políticas causam mais danos à sociedade do que o uso de drogas em si”, diz Ilona. “O país enfrenta um grave problema de consumo abusivo, mas já temos provas suficientes de que a repressão e a marginalização dos usuários não é a melhor forma de solucioná-lo”, afirma.

O Instituto Igarapé listou dez razões para que essa mudança seja feita. A maior parte delas é relacionada à descriminalização do uso de substâncias ilícitas, como a maconha, e à mudança na forma como o uso de drogas é encarado. “É muito mais uma questão de saúde pública do que de segurança”, diz Ilona.

O tema voltou a ser debatido há duas semanas, depois que o ministro Gilmar Mendes (STF) liberou para julgamento o recurso que pede a descriminalização do porte para consumo pessoal de drogas. O mais provável é que a pauta seja discutida no Supremo no segundo semestre.

1 – A atual política de drogas é falha

Para o Instituto Igarapé, o modelo focado na criminalização do uso de drogas e na repressão é ineficiente. Prova disso é que a produção, o comércio e o consumo cresceram nos últimos 50 anos no Brasil.

Os pesquisadores argumentam ainda que, mesmo com as políticas atuais, o país continua sendo uma das principais rotas do tráfico internacional de drogas do mundo, provocando um crescimento da violência urbana, da corrupção e da exclusão social.

Eles apontam estudos que mostram que 50% dos assassinatos no território são relacionados ao tráfico. Além disso, o Brasil se tornou um dos maiores consumidores de maconha e cocaína do mundo.

2 – A Lei Antidrogas permite distorções

Para a instituição, a Lei 11.343/2006 isentou usuários da pena de privação de liberdade, mas não criou critérios objetivos para distingui-los de traficantes, o que gera uma distorção.

“No Brasil, prendemos em flagrante usuários com pequenas quantidades, sem que haja investigação. Todo o foco da repressão ao tráfico deveria ser no crime violento”, diz Ilona.

3 – O sistema carcerário está superlotado

Segundo o Instituto Igarapé, o número de presos por crimes envolvendo drogas subiu de 60 mil para 150 mil desde que foi adotada a nova lei de drogas em 2006. Isso “não refletiu nem na maior produção de sensação de segurança na sociedade nem na diminuição do consumo de drogas no país”, diz a entidade.

Os especialistas citam pesquisas que mostram que 70% das pessoas presas sob a nova lei portavam pequenas quantidades, estavam desarmadas e não apresentavam indícios de relação com o crime organizado. Para eles, a adoção de penas alternativas ao encarceramento pode ajudar a reabalitar essas pessoas.

4 – Tratar dependentes é mais barato do que puni-los

Os pesquisadores defendem que apenas 12% dos usuários de drogas desenvolve algum tipo de quadro de dependência, e que para eles a melhor saída não é a prisão.

“Quando a abordagem criminal dá lugar aos programas de tratamento, os custos dos sistemas penitenciário e de justiça criminal são reduzidos”, diz documento divulgado pelo órgão.

Em relação ao restante dos usuários, que não desenvolvem uso problemático de drogas, os especialistas do Igarapé acreditam que eles também não precisam ser encarcerados. A prisão desses usuários elevaria os custos aos cofres públicos, argumentam.

5 – A descriminalização poderá reduzir danos

Atualmente, o tráfico e os sistemas de corrupção detêm o poder sobre o comércio das drogas. Os pesquisadores acreditam que afastar usuários de maconha, por exemplo, do contato direto com traficantes deve diminuir o risco de uso de outras drogas e de envolvimento com atividades ilícitas.

Outro argumento é  que, nos casos de dependentes químicos, a criminalização afasta os usuários dos tratamentos de saúde já que, muitas vezes, eles são estigmatizados.

6 – É possível enfraquecer o crime organizado

A maconha é a substância ilegal mais consumida no país. Para os pesquisadores, regular o cultivo de plantas para consumo próprio significa afastar usuários do contato com traficantes.

O ideal, segundo eles, seria estabelecer o número de plantas que podem ser cultivadas pelos usuários, individualmente ou em cooperativas reguladas e fiscalizadas.

7 – Punição e medo não evitam o uso entre adolescentes

A instituição critica as campanhas sobre drogas que “tradicionalmente privilegiam o tom ameaçador e sensacionalista em detrimento da divulgação de informações claras e objetivas sobre as substâncias psicotrópicas, seu uso e suas consequências, o que pode prevenir o uso e os danos relacionados a ele”.

Eles citam o caso de Portugal, que descriminalizou o uso de todas as drogas em 2001 e investiu em educação os recursos antes direcionados à prisão de usuários.

8 – A cannabis medicinal é tratamento para doenças

Pesquisas científicas apontam que a cannabis é eficaz no tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia e glaucoma, além de aliviar sintomas da Aids, de Alzheimer e do tratamento contra vários cânceres.

Os pesquisadores argumentam que, em países como o Brasil onde o uso da cannabis é criminalizado, pessoas  doentes não podem ter acesso, de forma legal, a um medicamento que alivia seu sofrimento ou que trata dos sintomas.

“Aqui no Brasil, a Anvisa já regulamentou o uso terapêutico de canabidiol, mas essa é apenas uma das substâncias cujo valor medicinal já foi devidamente comprovado”, diz Ilona.

9 – A proibição impede a pesquisa de novos remédios

Hoje em dia, para conseguir fazer pesquisa com drogas consideradas ilícitas, pesquisadores precisam ultrapassar barreiras burocráticas. Para Ilona, essas limitações acabam desincentivando a realização de pesquisas que seriam úteis para a construção de novas políticas de drogas.

“Isso ainda serve como entrave para a criação de programas de prevenção honestos, que promovam o autocuidado a partir do conhecimento de efeitos dos usos e abusos das diferentes substâncias”, diz ela.

10- O Brasil já possui políticas de drogas de vanguarda

Os pesquisadores citam projetos na área de política de drogas que demonstram que alternativas às políticas repressivas podem gerar mais benefícios sociais e econômicos.

São exemplos o programa De Braços Abertos, da Prefeitura Municipal de São Paulo, que oferece moradia, tratamento e formação ao usuário, e outras como o Crack, Álcool e outras Drogas da Fundação Oswaldo Cruz, que promove eventos científicos e pesquisa na área de drogas, assim como o Respire, do Centro de Convivência É de Lei (SP), que trabalha com redução de danos.

Rita Azevedo em EXAME.com

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