Como reduzir os homicídios no mundo?

 

Agosto, 2015

 

São Paulo – Números da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que oito milhões de pessoas foram vítimas de homicídios intencionais desde o ano 2000. Surpreendentemente, estas mortes não estão necessariamente ligadas a países que vivem em situações de guerra.

De acordo com Manuel Eisner, professor do Centro de Pesquisas em Criminologia da Universidade de Cambridge, uma das instituições de ensino mais influentes do mundo, dez vezes mais pessoas morrem de forma violenta fora das zonas de conflito que dentro delas.

Essa constatação é facilmente corroborada com números. Quando se observa o ranking dos países mais violentos do planeta, percebe-se que o topo é predominantemente ocupado por países latino-americanos pobres, como Honduras e Venezuela. Já locais que vivem devastadores conflitos armados, como Síria e Iraque, sequer constam entre os vinte e cinco primeiros colocados.

 

A gravidade desses números chamou a atenção da ONU que realiza no próximo mês sua Assembleia Geral e na qual irá adotar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para os próximos 15 anos. Para Eisner, é bem possível que a violência interpessoal esteja na pauta.

A inclusão, considera o especialista, trará à tona um importante questionamento: em que medida é possível reduzir os homicídios no planeta? Pois em um artigo divulgado no Brasil pelo Instituto Igarapé, Eisner pontua que essa redução não é apenas possível, como é viável de ser concretizada em até 30 anos. Basta que as medidas certas sejam adotadas e seguidas com rigidez.

É preciso, por exemplo, avaliar o passado e as iniciativas de países antes violentos e que conseguiram mudar suas realidades. Um exemplo? Singapura. Mas, além disso, Eisner vê como essenciais o comprometimento das autoridades e da população em pontos como o combate à corrupção, o respeito às leis e a disciplina.

Em uma entrevista exclusiva a EXAME.com, Eisner detalhou a sua tese e falou também sobre temas polêmicos como a relação da violência com o porte de armas e a redução da maioridade penal. Confira abaixo como foi a conversa.

EXAME.com – Você sugere na sua última pesquisa que é possível reduzir as taxas globais de homicídios em 50% até 2045. É um plano ambicioso, poderia detalhá-lo?

Manuel Eisner – Se algo foi feito antes, deve ser possível fazê-lo de novo. No passado, muitas cidades e países do mundo conseguiram reduzir suas taxas de homicídios em mais de 50% num período de 30 anos.

Precisamos descobrir o que aconteceu nesses lugares. Quais políticas contribuíram para a redução? E como esse conhecimento pode ser aplicado em outras partes do mundo?

Eu não acho que exista uma solução simples. Mas nós devemos pensar em homicídios da mesma maneira com que pensamos sobre acidentes de trânsito: eles não são “destino”. Se as medidas corretas forem tomadas, eles podem ser drasticamente reduzidos.

EXAME.com – E quais seriam estas “medidas corretas”? Há algum país que você considera um exemplo de sucesso?

Manuel Eisner – Singapura é possivelmente o país com as menores taxas de homicídio, violência doméstica, roubos e agressões do mundo. E como chegou neste ponto desde a sua independência em 1965?

Sabe-se que o país conta com punições rígidas e até pena de morte. Mas os fatores que vejo como os mais relevantes incluem o comprometimento no combate à corrupção, a tolerância zero quanto à posse de armas de fogo, uma polícia bem treinada e que na qual a população confia, políticas de moradia que evitem a concentração da pobreza, um sistema educacional competitivo e acessível e uma cultura que enfatiza o respeito e a disciplina.

Eu não acredito que o caminho da Singapura para se tornar uma sociedade de baixa criminalidade deva ser copiado. Mas há muito que se aprender com ele.

EXAME.com – Estas reduções drásticas nas taxas de homicídios são, segundo a sua análise, mais comuns do que se imagina. Como é possível fazer isso?

Manuel Eisner – Não há uma receita simples. Frequentemente, esforços para tornar a polícia e a justiça criminal mais eficazes e responsáveis parecem ter desempenhado um papel importante – assim como a existência de lideranças políticas dispostas e determinadas a reformarem os serviços públicos. Em muitos casos, as taxas de homicídio parecem ter caído quando houve uma mudança cultural em direção à ordem pública, ao respeito, à obediência às regras, ao comportamento ordeiro.

EXAME.com – Que outros países estão observam hoje esta redução?

Manuel Eisner – Temos visto em toda a Europa uma diminuição constante no número de homicídios nos últimos 20 anos. Em muitos casos, a queda foi de mais de 50%. Na Itália, ela foi de mais de 70%, com uma redução de mais de 80% nos casos em que a máfia esteve envolvida.

Nós não entendemos exatamente por que isso aconteceu. Mas uma parte disso tem a ver com uma tendência cultural mais ampla, em que a sociedade se tornou menos tolerante à violência. Outra parte tem a ver com novas tecnologias de controle que aumentaram a segurança pública. Mas no caso da Itália, eu acredito que uma aplicação melhor e mais intensiva da lei às ações da máfia tenha desempenhado um papel fundamental.

EXAME.com – Em contrapartida a esta ideia, quais os fatores que mais contribuem para o aumento nas taxas de homicídios?

Manuel Eisner – As taxas de homicídio tendem a aumentar quando as tensões entre os grupos sociais aumentam e há instabilidade política. Historicamente, estas taxas sobem sempre que grupos organizados brigam pelo controle sobre mercados ilegais, que podem ser de cocaína, heroína, prostituição ou álcool.

Finalmente, o número de homicídios tende a explodir em qualquer situação na qual o Estado e as autoridades entram em colapso – seja por completo ou apenas parcialmente, como acontece em revoluções ou durante ou após uma mudança fundamental no regime político de um país.

EXAME.com – E em quais locais do planeta as taxas estão aumentando?

Manuel Eisner – Nas últimas décadas, as tendências de alta se concentraram na América Latina e há aumentos muito significativos em países como a Venezuela, o Brasil, a Jamaica e Trinidad e Tobago. Em todos esses países, parte desse crescimento parece estar ligado a uma forte expansão do tráfico de drogas.

EXAME.com – Uma das suas conclusões é a de que países que vivem maiores taxas de homicídios devem reformar o seu sistema judiciário. Como essas medidas estão relacionadas ao aumento ou redução da violência?

Manuel Eisner – As pessoas que são prejudicadas por roubo ou violência desejam que o agressor seja responsabilizado. Mas não é preciso necessariamente uma punição severa, é suficiente algo que restabeleça a ordem.

Se o sistema judicial não faz uma justiça que seja aceitável para todos, se ele é extremamente lento, se a polícia não é confiável e se as vítimas não são respeitadas, as pessoas apelam para a justiça feita pelas próprias mãos: elas buscam pela vingança sozinhas ou com ajuda das gangues de suas vizinhanças. Essa é uma das razões pelas quais um sistema judicial eficaz e legítimo que serve ao povo é tão importante.

EXAME.com – Políticas mais rígidas e restritivas para o porte de armas de fogo são eficazes para redução dos níveis de criminalidade?

Manuel Eisner – Pessoalmente, eu acredito que o direito ao porte e à posse de armas de fogo deva ser muito restrito e que sanções sérias devem ser impostas ao porte ilegal. Mas a verdade é que a evidência científica em relação a este assunto é muito ambígua. A Suíça, por exemplo, tem uma taxa de homicídios muito baixa. Mas lá há poucas restrições à posse de armas, apesar de o porte em público ser muito controlado.

EXAME.com – Como você enxerga a relação entre a redução da maioridade penal e o aumento ou declínio nos índices de violência?

Manuel Eisner – Todas as sociedades têm que encontrar uma solução que as proteja e que seja, ao mesmo tempo, apropriada, eficaz e construtiva em relação a jovens infratores. Isso geralmente não é apenas uma questão de idade certa de responsabilidade criminal.

Exame

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