Dia do peacekeeper – o que o Brasil tem com isso?

Por Eduarda Hamann

Ontem, 29 de maio, foi celebrado o Dia Internacional dos peacekeepers. Assim são chamados os profissionais que trabalham sob a bandeira azul da ONU e que recebem a difícil tarefa de manter a paz, às vezes em lugares onde não há paz para ser mantida. Ao todo, o Brasil já enviou mais de 40 mil militares e policiais para missões de paz,mas pouca gente além desses brasileiros sabe disso.

O Brasil contribui para as operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) desde a primeira missão, em 1948. Até hoje, 69 missões já foram autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU, e cerca de 50 dessas contaram com a participação de brasileiros.

Nos últimos 70 anos, o trabalho do peacekeeper se tornou mais complexo e perigoso. Os conflitos armados contemporâneos são bem diferentes dos da Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, os civis não estão mais isolados como antes – muitos se envolvem com grupos armados e a imensa maioria sofre, sem defesa, com as terríveis consequências dos confrontos que hoje ocorrem no meio das cidades. Além disso, o fácil acesso a armas e munições, aliado às novas ameaças (como as provenientes do extremismo), forçaram a ONU a repensar a maneira de responder aos novos desafios.

A partir da década de 1990, algumas missões passaram a incorporar elementos relacionados ao desenvolvimento socioeconômico e, recentemente, certas missões receberam “dentes”, isto é, uma autorização formal para usar a força em situações complexas de escalada da violência. É particularmente emblemático o caso da missão da ONU na República Democrática do Congo, cujas tropas são comandadas por um general brasileiro.

De todas as missões de paz das quais participou, a mais importante para o Brasil é, sem dúvida, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Primeiro, em termos diplomáticos, desde a elaboração do mandato, o país fez gestões importantes junto aos demais países da região para convencê-los não somente a aceitar uma missão de natureza mais militarizada, mas também de efetivamente enviar tropas para a implementação do mandato. Isso reforçou a liderança regional do Brasil e conferiu ao país um papel de destaque também na missão. Segundo, em termos militares, o Brasil precisou desenvolver novas técnicas, táticas e procedimentos para dar conta dos desafios da pacificação, sobretudo entre 2005 e 2007, e o sucesso das operações deflagradas fortaleceu a moral das tropas dentro e fora do Brasil, mesmo depois do terremoto de janeiro de 2010.

Iniciada em junho de 2004, a MINUSTAH agora passa por um complexo processo de reconfiguração junto com as demandas do governo haitiano, e já experimenta a gradual retirada de tropas e de policiais da ONU até o seu possível término em 2016.

No entanto, apesar dos avanços principalmente decorrentes da MINUSTAH, o Brasil não desfruta de boa posição nos rankings internacionais relacionados às operações de paz. Há hoje 1.680 tropas brasileiras nas missões da ONU, equivalentes a 0,57% do efetivo militar do país. Este contingente coloca o Brasil na 21ª posição do ranking da ONU, uma vez que correspondem a apenas 1,63% do total do pessoal uniformizado (militares e policiais) sob a bandeira da organização.

A contribuição do Brasil para o fundo das operações de paz da ONU também é baixa e equivale a somente 0,6% do total. Além disso, mesmo sendo pequena a cota brasileira, desde 2012 o país não remete parte de suas contribuições obrigatórias e a dívida junto ao orçamento das operações de paz já chega a 87 milhões de dólares. Não se trata de uma situação confortável para quem busca um papel mais proeminente no sistema de paz e segurança internacional, incluindo o assento permanente no Conselho de Segurança.

No Dia dos Peacekeepers, o Brasil pode realmente se orgulhar do que os seus cidadãos têm feito pelo mundo – da América Latina ao sudeste asiático, da África a Europa. Mas a data também convida a reflexões profundas, sobretudo em meio a crises políticas e institucionais.

É preciso discutir o lugar das mulheres brasileiras nas forças armadas e nas operações de paz, bem como a melhor gestão dos policiais militares que participam das missões da ONU. Além disso, também se faz necessário um debate amplo a respeito do papel que o país quer desempenhar no sistema de paz e segurança, seguido de investimento de recursos (humanos e financeiros) na implementação de suas decisões estratégicas.

Revista Fórum

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